Se você achava que rodar um jogo no seu relógio inteligente era o auge da engenharia, prepare-se para ter sua órbita redefinida. O desenvolvedor Ólafur Waage apresentou no Ubuntu Summit um feito que entra para os anais da cultura geek: ele conseguiu executar o clássico jogo DOOM no OPS-SAT, um satélite da Agência Espacial Europeia (ESA). E para provar que não era montagem, ele usou a câmera do próprio satélite para tirar uma 'selfie' do nosso planeta e aplicá-la como o céu dentro do jogo.

Um Laboratório de Bolso no Espaço

Antes de mergulharmos no código, vale a pena entender que máquina era essa flutuando sobre nossas cabeças. O OPS-SAT não era um satélite comum. Lançado pela ESA, ele foi projetado como um laboratório orbital 'hackeável', permitindo que desenvolvedores e pesquisadores testassem novos softwares em condições espaciais reais, sem o risco de comprometer uma missão de bilhões de dólares. Com o tamanho aproximado de uma mala de mão, este pequeno notável rodava um sistema operacional familiar para muitos na Terra: o Ubuntu 18.04 LTS. Seu cérebro era um chip ARM9 dual-core, um hardware modesto para os padrões terrestres, mas perfeitamente capaz para sua missão. Era o playground perfeito para um experimento audacioso.

Renderizando o Inferno Sem Placa de Vídeo

O primeiro grande obstáculo era óbvio: como rodar um jogo em um dispositivo sem tela e, principalmente, sem uma Unidade de Processamento Gráfico (GPU)? Para os não iniciados, a GPU é o componente que faz todo o trabalho pesado de desenhar os gráficos que vemos. Sem ela, a tarefa recai sobre o processador principal, em um processo conhecido como renderização por software. De acordo com a apresentação de Waage, foi exatamente essa a abordagem. Felizmente, o DOOM original, com seus modestos 8 MB de tamanho, é uma obra-prima da otimização e não consumiu muita memória do sistema. Para um jogo sobre enfrentar hordas do inferno, rodar sem hardware dedicado parece até poético, não é mesmo? Talvez eu seja o único que ache graça nisso.

A Prova dos Nove Milhões de Quilômetros

Rodar o código era uma coisa, mas provar que ele estava de fato sendo executado em órbita era o verdadeiro desafio. A solução de Ólafur Waage foi genial e, ao mesmo tempo, um pouco arriscada para o satélite. Ele programou o sistema para usar a câmera do OPS-SAT, apontá-la para a Terra, capturar imagens do nosso planeta azul e aplicá-las como a textura do céu nas fases externas do jogo. O resultado foi um Doomguy aniquilando demônios sob um céu que era, literalmente, uma foto em tempo real da Terra vista do espaço. Contudo, como Waage explicou, essa manobra teve uma consequência inesperada. Orientar a câmera para o planeta aumentou o arrasto atmosférico sobre o satélite, fazendo com que ele perdesse altitude orbital mais rapidamente. Basicamente, jogar DOOM acelerou a futura destruição do equipamento, que foi deliberadamente desorbitado em 2024.

Desafios de Outro Mundo (e de 256 Cores)

Além da falta de hardware gráfico, outros problemas técnicos surgiram. A paleta de cores do jogo, por exemplo, era um deles. O DOOM original utiliza uma gama de cores específica, incluindo, segundo o desenvolvedor, nove tons diferentes apenas de azul. A câmera do satélite, por outro lado, capturava imagens com um padrão diferente. Além disso, os bitmaps (os arquivos de imagem) chegavam invertidos. Waage precisou desenvolver um algoritmo customizado que não apenas corrigia a inversão, mas também analisava as cores da imagem da Terra e as substituía pelos tons mais próximos disponíveis na paleta do DOOM. O sistema combinava imagens consecutivas para obter o melhor resultado visual possível, um trabalho de arqueologia digital em pleno espaço.

O Legado de um 'Doomguy' Orbital

Embora o satélite OPS-SAT já tenha se desintegrado na atmosfera terrestre, o feito de Ólafur Waage permanece, orbitando para sempre na memória da internet. Para os curiosos e entusiastas, o código-fonte com todas as modificações está disponível publicamente no GitHub, no repositório 'opssat-doom'. Este projeto é a prova definitiva de que, para a criatividade humana e para o onipresente DOOM, nem o céu é o limite. É um lembrete de que a exploração, seja do espaço ou de um código antigo, continua a nos levar a lugares inesperados.