Sua TV Está te Observando? O Texas Diz que Sim

Lembram-se daquela época em que a maior preocupação com a sua TV era o 'fantasma' na imagem ou o tubo queimado? Eram tempos mais simples, onde o aparelho era apenas uma janela para o mundo, não uma janela do mundo para dentro da sua casa. Como um arqueólogo digital, eu aprecio a robustez das tecnologias antigas, que faziam uma coisa e faziam bem. Hoje, o cenário é outro. O estado do Texas acaba de declarar guerra contra o que chama de um moderno cavalo de Troia na nossa sala de estar, processando cinco das maiores fabricantes de televisões do planeta.

Um Olho que Tudo Vê na Sala de Estar

O Procurador-Geral do Texas, Ken Paxton, não poupou palavras ao abrir processos contra um verdadeiro quem é quem da indústria: Samsung, LG, Sony, Hisense e TCL. A acusação, segundo os documentos judiciais, é que essas empresas transformaram suas Smart TVs em um “sistema de vigilância em massa”. De acordo com as alegações, os aparelhos “gravam secretamente o que os consumidores assistem em suas próprias casas”.

A tecnologia no centro dessa tempestade jurídica é o Reconhecimento Automático de Conteúdo, ou ACR (do inglês, Automatic Content Recognition). Paxton afirma que essa funcionalidade coleta dados pessoais que são posteriormente vendidos para fins de publicidade direcionada. “Essa conduta é invasiva, enganosa e ilegal”, afirmou o procurador em um comunicado. “O direito fundamental à privacidade será protegido no Texas, porque possuir uma televisão não significa entregar suas informações pessoais à Big Tech ou a adversários estrangeiros.”

Desvendando o ACR: Uma Escavação Digital

Mas afinal, o que é esse tal de ACR? Pense nele como um detetive digital incansável. Usando dados visuais e de áudio, a tecnologia identifica praticamente tudo o que passa pela sua tela. Isso inclui filmes e séries em serviços de streaming, programas de TV a cabo, vídeos do YouTube e até mesmo conteúdo de mídias físicas como discos Blu-ray. A investigação, no entanto, não para por aí.

Os processos movidos pelo Texas, conforme noticiado pelo The Verge, alegam que o ACR vai muito além, capturando imagens de outros dispositivos conectados às portas HDMI da TV. Isso significa que o monitoramento pode se estender ao seu notebook, videogame e até mesmo às transmissões de câmeras de segurança ou de campainha. A ação contra a Samsung e a Hisense é ainda mais específica, afirmando que a tecnologia captura screenshots da tela “a cada 500 milissegundos”. Parece que o 'Big Brother' não é mais só um reality show, é uma funcionalidade embutida.

Consentimento? O Labirinto do 'Li e Aceito'

As empresas argumentam que a coleta de dados é feita com o consentimento do usuário. Contudo, os processos judiciais descrevem as permissões como “ocultas, vagas e enganosas”. Ao configurar uma nova Smart TV, o consumidor é confrontado com uma série de termos e condições. A ação contra a Samsung, detalhada pelo Ars Technica, aponta que a tela de consentimento exibe um grande e convidativo botão de “Concordo com tudo”.

Para quem decide não concordar, a jornada é bem diferente. O processo descreve um caminho tortuoso, com mais de 15 cliques espalhados por pelo menos quatro menus diferentes para desativar completamente o rastreamento. É uma tática que claramente desestimula o usuário a exercer seu direito à privacidade. A jornada para desativar o monitoramento é mais complexa que montar um móvel sueco. Para concordar, um clique. Para discordar, você precisa de um guia, um lanche e muita paciência.

O Fantasma do Partido na Sua TV

Um ponto de atenção especial nos processos é a origem de duas das empresas acusadas: Hisense e TCL, ambas sediadas na China. O Procurador-Geral do Texas levanta a preocupação de que, devido à Lei de Segurança Nacional da China, essas companhias poderiam ser obrigadas a entregar os dados coletados de consumidores americanos ao governo chinês. Os processos chegam a classificar as TVs dessas marcas como “dispositivos de vigilância patrocinados pela China”.

Esta não é a primeira vez que a tecnologia ACR coloca uma fabricante de TVs em apuros. Em 2017, a Vizio pagou uma multa de 2,2 milhões de dólares à Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC) por alegações semelhantes de espionagem. O caso atual, envolvendo múltiplos gigantes do setor, eleva a discussão a um novo patamar, questionando a essência dos dispositivos 'inteligentes' que convidamos para dentro de nossos lares. A conveniência tem um preço, e o Texas está determinado a descobrir se esse preço é a nossa privacidade.