A tecnologia que anda para trás

No mundo da tecnologia, estamos acostumados com uma marcha incessante para frente. Mais velocidade, mais capacidade, mais tudo. É uma lei quase sagrada, como a gravidade ou o fato de que o lado do pão com manteiga sempre cai para baixo. No entanto, um relatório recente da TrendForce sugere que estamos prestes a ver essa lei ser quebrada de forma espetacular. Em 2026, os notebooks, em vez de avançarem, podem dar um passo para trás, voltando a uma era que considerávamos superada: a dos 8 GB de RAM como padrão.

A notícia, divulgada inicialmente pelo Canaltech, soa como um pesadelo para quem trocou de máquina recentemente. Segundo a análise de mercado da TrendForce, a regressão será sentida em todas as faixas de preço. Os notebooks considerados 'mainstream', que hoje vêm confortavelmente com 16 GB, deverão ser lançados com apenas 8 GB. Já os modelos de alta performance, que ostentam 32 GB ou até 64 GB, podem ser limitados a 16 GB. É uma dieta forçada de memória que ninguém pediu.

O culpado tem nome: Inteligência Artificial

Mas por que essa marcha à ré? A resposta, como em quase tudo ultimamente, é a Inteligência Artificial. Acontece que os gigantescos data centers que treinam e operam modelos de IA são famintos por um tipo específico e muito mais lucrativo de memória, a HBM (High Bandwidth Memory). Fabricantes de semicondutores, como Samsung e SK Hynix, não são bobos e estão, de acordo com o relatório, desviando suas linhas de produção para atender a essa demanda insaciável.

O resultado é um efeito dominó que atinge diretamente o seu próximo computador. Com as fábricas focadas na produção de HBM, a oferta de memórias convencionais, como DDR5 e LPDDR5, despenca. E como em qualquer aula básica de economia, menos oferta com a mesma demanda significa preços mais altos. As fabricantes de notebooks, para não repassarem um custo exorbitante ao consumidor e manterem suas margens, optam pelo corte mais simples: reduzir a quantidade de RAM.

Parece que a IA não quer apenas nossos empregos, mas também nossa memória. Literalmente. E a disputa ficou ainda mais acirrada. Um levantamento da Counterpoint, repercutido pela StartSe, revela que a Nvidia passou a usar memórias LPDDR5X, antes típicas de smartphones, em seus servidores de IA. Agora, seu celular e seu notebook estão em uma competição direta por componentes com os cérebros digitais mais poderosos do planeta.

O custo do upgrade agora é seu

A ironia da situação é dolorosa. A indústria está promovendo com força total os chamados 'AI PCs', computadores com capacidade de processamento local para tarefas de IA, que, por sua natureza, exigiriam mais memória, e não menos. No entanto, a própria tecnologia que eles pretendem popularizar está secando a fonte dos componentes necessários para que funcionem bem.

A conta dessa escassez, claro, vai parar no bolso do consumidor. A previsão é que o custo do upgrade inevitável seja transferido para o usuário final. Você comprará um notebook novo em 2026 e, muito provavelmente, terá que comprar um pente de memória extra logo em seguida se quiser ter uma experiência de uso decente. Tarefas que hoje são banais, como abrir várias abas no navegador enquanto participa de uma videochamada, podem se tornar um exercício de paciência.

Essa pressão nos preços não é uma exclusividade dos notebooks. A pesquisa da Counterpoint projeta que o preço médio dos smartphones suba quase 7% em 2026, com o valor da memória podendo aumentar em até 40% até a metade do ano. Para os eletrônicos, a era do 'barato' pode estar com os dias contados.

O fim de uma era: adeus, mercado consumidor

Se ainda havia alguma dúvida de que esta é uma mudança estrutural e não um soluço temporário no mercado, a Micron tratou de eliminá-la. A empresa anunciou que sairá completamente do mercado de memória para consumidores até 2026, encerrando sua famosa marca Crucial. Todo o seu foco será direcionado para atender data centers de IA. É um sinal claro de que a prioridade da indústria mudou de lugar.

Por décadas, o consumidor final foi o motor da inovação. Agora, o smartphone, o notebook e o PC que temos em casa estão disputando recursos com um competidor muito mais voraz e lucrativo. E, como mostram os dados, a IA está vencendo essa guerra. Estamos testemunhando uma nova ordem industrial se formando, onde os componentes mais avançados são destinados a máquinas que ninguém vê, em vez dos dispositivos que usamos todos os dias.

Portanto, quando você estiver em uma loja em 2026 e se deparar com um notebook reluzente com meros 8 GB de RAM, não se assuste. Não é um erro de fabricação ou um modelo de entrada. É o novo padrão, um retrocesso tecnológico impulsionado pela tecnologia mais avançada que já criamos. O futuro chegou, mas parece que ele veio com um pouco menos de memória do que esperávamos.