A Era Rust Começa: Kernel Linux Adota Linguagem Permanentemente e Inicia Transição Histórica

Se você já assistiu a um filme de ficção científica onde uma tripulação precisa trocar o motor da nave em pleno voo espacial, vai entender a magnitude do que está acontecendo no universo Linux. Em uma decisão que ecoará por décadas, o uso da linguagem de programação Rust no kernel do Linux deixou de ser um "experimento" para se tornar parte permanente da família. A confirmação veio diretamente do Kernel Maintainer Summit 2025, em Tóquio, e representa uma das mudanças mais fundamentais no coração do sistema operacional que alimenta boa parte do nosso mundo digital.

O Fim do Experimento, O Começo da Revolução

Por muito tempo, a ideia de introduzir uma nova linguagem no sagrado território do kernel, dominado pelo C desde sua criação, parecia heresia. Mas o experimento começou, e os resultados foram tão promissores que a comunidade decidiu torná-lo definitivo. Miguel Ojeda, o líder do projeto "Rust for Linux", confirmou a novidade, declarando que "o experimento acabou, Rust veio para ficar". É como se o sistema operacional estivesse recebendo um upgrade de cyberware, trocando componentes antigos por uma tecnologia que previne falhas antes mesmo que elas aconteçam.

A principal razão para essa mudança de paradigma tem nome e sobrenome: segurança de memória. O C é uma linguagem poderosa e veloz, o titã que construiu a internet como a conhecemos. No entanto, ele também é notório por suas armadilhas de gerenciamento de memória, que são a fonte de inúmeras falhas de segurança e bugs catastróficos. Rust, por outro lado, foi projetado desde o início com uma espécie de "guarda-costas" embutido em seu compilador, que impede esses erros comuns. Na prática, é a diferença entre dirigir um carro clássico sem cinto de segurança e pilotar um veículo autônomo moderno cheio de sensores anti-colisão.

Android 16: O Futuro Já Está no Seu Bolso

Isso não é apenas uma discussão teórica para desenvolvedores em uma sala de conferências. A revolução Rust já está em produção e, muito provavelmente, no seu bolso. De acordo com o anúncio de Ojeda, os dispositivos com Android 16, baseados no kernel Linux 6.12, já estão saindo de fábrica com componentes escritos em Rust. Especificamente, o subsistema de alocação de memória ashmem (anonymous shared memory) foi reescrito na linguagem. Isso significa que milhões de smartphones e tablets ao redor do mundo já executam código Rust no nível mais profundo de seu sistema operacional, provando que a tecnologia está mais do que pronta para o horário nobre.

Ainda há muito trabalho a ser feito, como o próprio Ojeda adverte. Nem todas as configurações do kernel, arquiteturas ou cadeias de ferramentas são totalmente compatíveis ainda. Um projeto chave nesse ecossistema é o gccrs, uma implementação do Rust sobre o compilador GCC do GNU, que ainda está em desenvolvimento. No entanto, segundo reportagem de Jonathan Corbet da LWN, os desenvolvedores do gccrs têm a compilação do kernel como uma de suas maiores prioridades, com notícias interessantes prometidas para o próximo ano.

O Adeus Gradual ao C: Uma Troca de Guarda Histórica

Aqui é onde a trama engrossa e o futuro se torna palpável. A adoção de Rust não é apenas sobre adicionar uma nova ferramenta; é sobre iniciar a substituição da antiga. Dave Airlie, mantenedor do DRM (Direct Rendering Manager), o subsistema que gerencia a pilha gráfica do Linux, afirmou no summit que seu projeto está a cerca de um ano de exigir Rust e proibir novos drivers escritos em C. Leia de novo: proibir C. É uma declaração de peso sísmico no desenvolvimento do Linux.

Essa confiança vem de resultados práticos. O lendário mantenedor do Linux, Greg Kroah-Hartman, observou durante a discussão que os drivers escritos em Rust já estão se provando mais seguros do que seus equivalentes em C, com menos problemas de interação com o núcleo do que se esperava. É a validação definitiva de que a promessa de segurança de Rust não é apenas marketing. Estamos testemunhando o início do fim da era do C como a linguagem onipotente do desenvolvimento de sistemas de baixo nível.

Os Desafios da Nova Fronteira

Claro, nenhuma revolução vem sem seus desafios. Uma das preocupações é o suporte para arquiteturas de chips com menor utilização, como os sistemas s390 da IBM, onde o ecossistema Rust pode não ser tão maduro. Outro ponto de atenção é que uma especificação formal para a linguagem Rust ainda está em andamento, o que pode gerar alguma incerteza para um projeto da longevidade do kernel. No entanto, o plano é garantir que o kernel sempre possa ser compilado com a versão do Rust incluída na última versão estável do Debian, o que cria um chão sólido para os desenvolvedores. O próprio Debian, inclusive, planeja ter "requisitos rígidos de Rust" em seu gerenciador de pacotes APT a partir de maio de 2026, solidificando ainda mais a posição da linguagem no ecossistema.

A adoção do Rust pelo Linux é um impulso gigantesco para a linguagem, que em 2024, segundo a pesquisa "State of Rust", tinha como principal preocupação de seus desenvolvedores a "baixa utilização na indústria de tecnologia". Essa preocupação parece estar se tornando rapidamente uma relíquia do passado. O chamado agora é para que as empresas invistam no treinamento de seus desenvolvedores de kernel em Rust. O motor da nave está sendo trocado, e é melhor que todos os engenheiros a bordo saibam como a nova tecnologia funciona. Estamos entrando em uma nova era de desenvolvimento de software, mais segura, mais robusta e, honestamente, muito mais empolgante.