Microsoft promete soberania de dados na Europa mas mercado desconfia
Em um movimento para acalmar os nervos de seus clientes europeus, a Microsoft anunciou uma série de medidas para reforçar sua promessa de soberania de dados no continente. A iniciativa surge meses após a própria empresa admitir em um tribunal francês que não poderia garantir que dados hospedados na Europa não seriam entregues ao governo dos EUA sob a controversa Lei CLOUD. Com as relações geopolíticas entre EUA e Europa se mostrando voláteis, a gigante de Redmond tenta construir uma ponte de confiança, mas muitos no setor questionam se os pilares dessa construção são realmente sólidos.
O que a Microsoft está colocando na mesa?
A nova ofensiva da Microsoft é uma tentativa de criar uma espécie de embaixada digital em solo europeu, onde os dados dos clientes teriam um passaporte local e estariam sujeitos às leis da região. Segundo o anúncio, a empresa está expandindo seu ecossistema de soluções com várias novidades importantes:
- IA e Copilot com sotaque europeu: A Microsoft garante que todo o processamento de dados de Inteligência Artificial, do início ao fim, poderá acontecer dentro das fronteiras da União Europeia. Além disso, as interações com o Microsoft 365 Copilot terão processamento local em 15 países, embora a lista inicial até o final de 2025 inclua apenas Reino Unido, Austrália, Índia e Japão, com países como Alemanha e Suécia previstos para 2026.
- Azure Local mais robusto: O serviço, anteriormente conhecido como Azure Stack HCI, está sendo expandido para suportar de centenas de servidores físicos, um salto significativo dos 16 anteriores. A adição de suporte a Storage Area Network (SAN) também permite que as empresas usem sua infraestrutura de armazenamento local existente, um reconhecimento de que a escala anterior era insuficiente para uma nuvem privada soberana.
- Microsoft 365 Local: A disponibilidade geral do Microsoft 365 Local foi confirmada, trazendo serviços como Exchange Server e SharePoint para o Azure Local. No entanto, há um detalhe: a implantação deve ser feita em modo conectado, pois uma opção totalmente isolada, ou 'disconnected', só chegará no início de 2026.
A sombra do CLOUD Act e a desconfiança sistêmica
O pano de fundo para toda essa movimentação é a crescente desconfiança europeia em relação aos hyperscalers americanos. A Lei CLOUD dos EUA permite que autoridades do país exijam acesso a dados de empresas americanas, não importa onde esses dados estejam armazenados fisicamente. É uma espécie de 'endpoint' legal que ignora fronteiras geográficas, gerando um enorme conflito de jurisdição.
De acordo com o The Register, a soberania de dados se tornou uma das principais perguntas que as equipes de vendas da Microsoft, AWS e Google enfrentam na Europa. A situação se intensificou desde o início do segundo mandato de Donald Trump. E a Microsoft não está sozinha nesse barco; o Google atualizou seus serviços de nuvem soberana e a AWS está se preparando para lançar uma unidade de nuvem baseada na UE para tentar mitigar os mesmos temores.
"Soberania Maquiada": a crítica dos especialistas
Apesar do esforço da Microsoft, a recepção da comunidade tecnológica europeia foi, na melhor das hipóteses, cética. Muitos veem a iniciativa como uma solução de fachada para um problema fundamentalmente legal e estrutural. Frank Karlitschek, CEO e fundador da Nextcloud, foi direto ao ponto, classificando os esforços como "sovereignty washing" (uma lavagem ou maquiagem de soberania).
Segundo Karlitschek, em declaração ao The Register, "na Europa, soberania significa a ausência de fortes dependências de terceiros estrangeiros. A nuvem soberana da Microsoft não entrega isso". Para ele, a única saída real é o software de código aberto, que permite auditorias de segurança independentes e evita a dependência de um único fornecedor.
Essa visão é compartilhada por outros. Mark Boost, CEO da provedora de nuvem britânica Civo, afirmou que a Microsoft está confundindo "residência de dados" com "soberania verdadeira". "Você pode colocar um data center em Paris ou Londres, mas se a empresa ainda é governada pela lei dos EUA, os dados, em última instância, estão sob a jurisdição dos EUA", explicou ele. Thierry Carrez, da OpenInfra Foundation, considerou o desenvolvimento positivo, mas ressaltou que sua eficácia é "incerta e não testada".
Uma ponte sobre águas turbulentas
A Microsoft está claramente tentando estabelecer um diálogo mais confiável com o mercado europeu, implementando soluções técnicas para um problema que é, em sua essência, geopolítico. A empresa se esforça para mostrar que seus serviços podem operar como ecossistemas independentes dentro da Europa. Contudo, enquanto a Lei CLOUD existir, a comunicação com a matriz nos EUA pode ser interceptada por uma ordem judicial americana, quebrando qualquer promessa de isolamento.
No fim das contas, a pergunta que fica é: essa nova ponte digital da Microsoft é sólida o suficiente para suportar o peso da desconfiança geopolítica, ou é apenas uma fachada bonita esperando a próxima tempestade legal para desmoronar?
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