Google lança Projeto Suncatcher para mover data centers de IA ao espaço

Em um movimento que parece saído diretamente de um roteiro de ficção científica, o Google anunciou o Projeto Suncatcher, uma iniciativa que pode redefinir o futuro da computação. A gigante da tecnologia planeja construir data centers de Inteligência Artificial em órbita, utilizando constelações de satélites equipados com seus chips TPU (Tensor Processing Units) e alimentados por energia solar quase ininterrupta. A missão, segundo a empresa, é desacoplar o crescimento exponencial da IA das limitações energéticas e de recursos do nosso planeta. Os primeiros testes práticos estão agendados para 2027, em parceria com a empresa de satélites Planet.

O Fim do Mundo... Energético?

A demanda por processamento de IA não para de crescer, e com ela, o consumo de energia. É um apetite que beira o insustentável. Segundo uma análise do MIT Technology Review, até 2028, a IA sozinha poderá consumir uma quantidade de eletricidade equivalente a 22% de todos os lares dos Estados Unidos. Esse cenário nos coloca em uma encruzilhada: ou encontramos uma nova fonte de energia, ou frearemos o avanço tecnológico. É aqui que a futurologia do Google entra em cena.

A solução, como em muitas obras como Interstellar, é olhar para as estrelas. Ao levar a infraestrutura para o espaço, o Google quer resolver dois problemas de uma só vez. Primeiro, o acesso à energia: um satélite em uma órbita especial, chamada de "síncrona com o Sol", fica exposto à luz solar quase continuamente. De acordo com o Google, um painel solar no espaço pode gerar até oito vezes mais energia que um painel idêntico na superfície terrestre, pois não há atmosfera para filtrar a luz. Segundo, o resfriamento: o vácuo do espaço serve como um dissipador de calor infinito e gratuito, eliminando a necessidade de gastar rios de água e eletricidade para manter os servidores em temperaturas operacionais.

Uma Constelação de Cérebros Artificiais

Diferente de projetos que imaginam uma única e colossal estação espacial, a arquitetura do Projeto Suncatcher é mais parecida com um enxame. A ideia é lançar frotas de satélites menores que operam como um único supercomputador. A comunicação entre eles será feita por links ópticos a laser, uma tecnologia que, segundo o Google, já atingiu velocidades de 1.6 Tbps em testes de bancada.

Para que essa rede funcione como um data center coeso, os satélites precisarão voar em formação extremamente próxima, a poucas centenas de metros uns dos outros. Travis Beals, diretor sênior no Google, explicou em entrevista ao Ars Technica que essa proximidade é fundamental para minimizar a latência e maximizar a largura de banda, simulando a interconexão de um data center terrestre. A empresa já desenvolveu modelos físicos que, segundo eles, demonstram a viabilidade de manter essas formações estáveis com um consumo "razoável" de propulsores.

Blade Runner no Vácuo: Desafios Orbitais

Enviar tecnologia sensível para o espaço não é uma tarefa simples. Um dos maiores vilões é a radiação cósmica, que pode causar desde pequenas falhas (bit-flips) até a queima permanente dos componentes. Para validar a resistência de seu hardware, o Google submeteu seus chips TPU Trillium a um feixe de prótons de 67 MeV. Os resultados, publicados em seu paper de pesquisa, foram promissores: os chips resistiram a uma dose de radiação equivalente a uma missão de cinco anos em órbita sem apresentar falhas permanentes.

Outro obstáculo monumental sempre foi o custo de lançamento. No entanto, a análise econômica do Google aposta na revolução provocada por foguetes reutilizáveis, como o Starship da SpaceX. A projeção da empresa é que os custos de lançamento possam cair para menos de $200 por quilo até meados de 2030. Nesse patamar de preço, o custo de um data center orbital se tornaria comparável aos custos energéticos de uma estrutura equivalente na Terra.

A Corrida Espacial 2.0 é Pelo Silício

O Google não está sozinho nessa nova fronteira. A startup Starcloud, em parceria com a Nvidia, também planeja um data center orbital, embora com uma abordagem de estrutura única e massiva. Até mesmo Elon Musk já indicou que a SpaceX está explorando a mesma oportunidade de negócio. A corrida não é mais para fincar uma bandeira na Lua, mas para estabelecer a supremacia computacional em órbita.

O primeiro passo prático do Google será o lançamento de dois satélites protótipos no início de 2027. A missão, desenvolvida com a Planet, servirá para testar na prática a durabilidade dos TPUs e a eficácia dos links de comunicação a laser. Se bem-sucedido, o Projeto Suncatcher não será apenas uma solução para a crise energética da IA; será o primeiro passo para mover nossa infraestrutura digital crítica para fora do planeta, um roteiro digno dos maiores clássicos da ficção científica que estamos prestes a assistir se tornar realidade.