Debian Adota Rust e Ameaça Suporte a Hardwares Antigos

Para os arqueólogos digitais e entusiastas de hardware clássico, uma notícia soou como um trovão em céu azul. O projeto Debian, conhecido por sua estabilidade e vasto suporte a diferentes arquiteturas de processadores, anunciou uma mudança que vai abalar suas fundações. Em um comunicado na lista de e-mails debian-devel, o desenvolvedor Julian Andres Klode soltou uma pequena bomba: a partir de maio de 2026, o gerenciador de pacotes APT (Advanced Package Tool) passará a ter a linguagem de programação Rust como um requisito obrigatório. A medida visa modernizar e proteger o coração do sistema, mas o efeito colateral pode ser o fim da linha para várias plataformas de hardware consideradas legadas.

A Ferrugem que Fortalece: Por que Mudar Agora?

A pergunta que ecoa nos fóruns é: por que mexer em time que está ganhando há décadas? A resposta, segundo Klode, está na busca por maior segurança e robustez. “Pretendo introduzir dependências e código Rust no APT”, explicou ele, destacando que áreas como a análise de pacotes (.deb, .ar, .tar) e a verificação de assinaturas HTTP se beneficiariam imensamente de uma linguagem com segurança de memória garantida.

Sabe aquela piada de que a melhor coisa contra a ferrugem é usar o carro todo dia? No mundo do software, a "ferrugem" (Rust, em inglês) é justamente o que impede a corrosão da segurança. A linguagem, criada pela Mozilla, é famosa por prevenir categorias inteiras de bugs relacionados à memória, que são fontes comuns de vulnerabilidades de segurança. A mudança também envolve a adoção do ecossistema Sequoia-PGP, uma implementação de OpenPGP em Rust que já é usada para verificação de pacotes em algumas arquiteturas.

A Lista de Extinção do Debian

A decisão não vem sem um custo. A adoção de Rust traça uma linha clara na areia para as arquiteturas de hardware suportadas pelo Debian, dividindo-as entre as que podem acompanhar a modernidade e as que ficarão para trás. Klode foi enfático no aviso aos mantenedores: “Se você mantém um porte sem uma cadeia de ferramentas Rust funcional, por favor, garanta que tenha uma nos próximos 6 meses, ou aposente o porte.”

A situação varia drasticamente dependendo do nível de suporte que o Rust oferece para cada processador. A lista de potenciais jubilados inclui nomes que marcaram a história da computação:

• Praticamente Extintos: As arquiteturas DEC Alpha, HP PA-RISC (hppa), Motorola 68k (m68k) e Hitachi SH4 (sh4) não possuem suporte funcional para Rust e, segundo o comunicado, parecem fadadas ao desaparecimento do ecossistema Debian.
• Na Corda Bamba: O suporte para PowerPC big-endian está no "Tier 3" do Rust, o que significa que pode ser possível mantê-lo, mas exigirá um trabalho substancial da comunidade.
• A Salvo (por enquanto): As arquiteturas principais como Arm64, i686 e x86-64 (Tier 1) estão seguras. Outras como armhf, ppc64el, riscv64, s390x, Loongson e SPARC64 estão no "Tier 2", o que indica que devem continuar funcionando, embora possam precisar de algum trabalho de adaptação.

Debian: Menos Universal, Mais Moderno?

Por décadas, o Debian orgulhosamente usou o slogan “o sistema operacional universal”, uma promessa de rodar em praticamente qualquer tipo de máquina, das mais modernas às mais antigas. Esta nova direção, no entanto, parece adicionar uma nota de rodapé a essa promessa: "...desde que o processador seja fabricado ainda".

Klode foi bastante direto sobre essa mudança de filosofia: “É importante para o projeto como um todo ser capaz de avançar e confiar em ferramentas e tecnologias modernas, e não ser retido por tentar adaptar software moderno a dispositivos de computação retrô”. Conforme relatado pelo The Register, essa tendência não é isolada. O próprio Debian já se prepara para abandonar o suporte a processadores x86 de 32 bits, e o kernel Linux também flerta com a ideia de remover o suporte a CPUs mais antigas. A prioridade, claramente, mudou da universalidade a qualquer custo para a sustentabilidade e segurança a longo prazo.

O Futuro é Inoxidável, Mas Não Para Todos

A transição do Debian para Rust no coração de seu sistema de pacotes é um marco significativo. Representa uma aposta na segurança e na modernidade, alinhando um dos projetos de software livre mais respeitados com as melhores práticas de desenvolvimento atuais. Contudo, para a comunidade de retrocomputação e para os sistemas que ainda rodam em máquinas veneráveis, é um sinal claro de que o futuro não incluirá a todos. O pinguim está se preparando para voos mais altos e seguros, mesmo que isso signifique deixar parte de seu passado para trás, no museu da história da tecnologia.