O Algoritmo no Banco dos Réus: Japão vs. OpenAI
A premissa é simples: se um sistema de inteligência artificial gera vídeos com a estética inconfundível do Studio Ghibli, então é logicamente dedutível que o sistema foi alimentado com obras do Studio Ghibli. É com base nessa lógica quase forense que um grupo de titãs da cultura pop japonesa, incluindo Studio Ghibli, Bandai Namco, e Square Enix, declarou guerra contra a OpenAI. A acusação, formalizada em 27 de outubro através da Content Overseas Distribution Association (CODA), uma organização antipirataria que representa 36 empresas do país, alega que o gerador de vídeo Sora 2 violou sistematicamente seus direitos autorais.
O comunicado da CODA, divulgado na última semana de outubro, é categórico. A organização afirma que "grande parte dos vídeos gerados por IA com recursos do Sora 2 se assemelha fortemente a conteúdos ou imagens japonesas". A conclusão, segundo eles, é inevitável: as obras foram usadas como dados de aprendizado de máquina sem qualquer autorização. O sucesso meteórico do Sora 2, que ultrapassou um milhão de downloads em menos de uma semana desde seu lançamento em 30 de setembro, apenas amplificou o problema, gerando o que uma das fontes descreveu como uma "avalanche de conteúdo contendo IP japonês".
A Falha Lógica: 'Opt-Out' versus Lei Japonesa
O cerne do conflito reside em uma incompatibilidade fundamental de sistemas. A OpenAI opera sob uma política de 'opt-out', ou seja, um modelo de "use primeiro, peça desculpas depois". Desde o lançamento do Sora 2, a empresa de Sam Altman informou que os usuários poderiam utilizar conteúdos protegidos, a menos que os detentores dos direitos solicitassem ativamente o bloqueio. Para a CODA, essa abordagem não é apenas eticamente questionável, mas potencialmente ilegal.
Em sua carta, a organização japonesa destacou um ponto-chave: "De acordo com o sistema de direitos autorais do Japão, é geralmente necessária permissão prévia para o uso de obras protegidas, e não existe um mecanismo que permita evitar a responsabilidade por infração por meio de objeções posteriores". Em termos simples: no Japão, a lei exige que se peça permissão antes de usar, não que se espere uma reclamação para parar de usar. A política da OpenAI, portanto, entra em rota de colisão direta com a legislação japonesa. As promessas de Sam Altman, feitas no mês passado, de que daria aos detentores de propriedade intelectual "um controle mais preciso" sobre o uso de seus personagens, parecem não ter apaziguado os criadores japoneses, que exigem uma mudança fundamental no processo, não apenas um paliativo.
Um Padrão de Comportamento ou Mera Coincidência?
Esta não é a primeira vez que a OpenAI se vê no centro de uma polêmica similar. Conforme reportado pelo The Verge, o lançamento do modelo GPT-4o em março deste ano já havia resultado em uma proliferação de imagens no "estilo Ghibli". A ironia da situação é que o próprio Sam Altman, CEO da OpenAI, adotou em seu perfil na rede social X uma imagem de si mesmo gerada nesse estilo. Em um post datado de 26 de março de 2025, ele chegou a brincar com a situação, como documentado pelo TechCrunch.
O padrão se estende para além do Japão. Segundo o Olhar Digital, a OpenAI também foi alertada em outubro pela Motion Picture Association (MPA) sobre o uso indevido de produções de Hollywood. Se um incidente é um acaso e dois são coincidência, a partir do terceiro, começa a parecer um método. A abordagem da OpenAI de "pedir perdão, não permissão" parece ser uma filosofia operacional, que agora enfrenta a resistência de indústrias criativas globais.
O Desprezo de um Mestre e o Futuro da Criação
Enquanto os advogados debatem a legalidade, o sentimento de parte da comunidade artística é de profundo descontentamento. O TechCrunch resgatou uma declaração de 2016 do lendário diretor Hayao Miyazaki, cofundador do Studio Ghibli. Ao ser apresentado a uma animação 3D gerada por IA, ele não mediu palavras, afirmando estar "totalmente enojado" e que sentia fortemente que aquilo era "um insulto à vida em si".
A CODA, em nome de seus membros, exige duas coisas da OpenAI: que pare de utilizar suas obras para treinamento de máquina sem autorização e que responda de maneira responsável às reivindicações de violação de direitos autorais. A bola está agora no campo da OpenAI. A empresa pode optar por cooperar e redesenhar seu processo de coleta de dados ou se preparar para uma batalha legal que pode definir o futuro da relação entre inteligência artificial e propriedade intelectual em escala global. A questão que fica é se a inovação tecnológica pode continuar a ignorar as leis e os criadores que, ironicamente, forneceram a matéria-prima para o seu avanço.
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