Missão Abortada: A Saída Forçada de Pat Gelsinger da Intel
A notícia oficial, divulgada em 1º de dezembro de 2024, é que Pat Gelsinger, CEO da Intel, decidiu se aposentar após mais de quatro décadas de carreira na empresa. Uma narrativa de encerramento de ciclo. Contudo, no universo da tecnologia, a verdade raramente se alinha com o press release. Relatórios da Bloomberg, Reuters e The New York Times rapidamente desmentiram a versão oficial, afirmando que a diretoria da Intel apresentou a Gelsinger uma escolha binária e implacável: aposente-se ou seja removido. Ele escolheu a primeira opção.
Gelsinger, que retornou à Intel em fevereiro de 2021 como um filho pródigo para resgatar a gigante dos semicondutores de uma espiral de declínio, deixa o cargo antes de completar seu ambicioso plano de quatro anos. A lógica é simples: se a premissa de um plano de recuperação não gera os resultados esperados no tempo estipulado, então a conclusão é a sua invalidação. E, para o conselho da Intel, a prova de conceito de Gelsinger falhou de forma categórica.
O Messias Prometido e o Plano de Quatro Anos
Quando Pat Gelsinger assumiu o comando, a Intel já estava em uma situação delicada. Havia perdido a corrida dos smartphones, enfrentava atrasos crônicos na produção, problemas de controle de qualidade e, o golpe mais simbólico, viu a Apple abandonar seus processadores para criar seus próprios chips baseados em ARM, que se provaram superiores em performance e eficiência energética. Gelsinger, um engenheiro que passou 30 anos na Intel antes de sair em 2009, era visto como a única pessoa capaz de consertar os problemas técnicos fundamentais da empresa.
Sua estratégia era audaciosa e foi resumida em um mantra: “cinco nós em quatro anos”. O objetivo era acelerar o desenvolvimento de cinco novas gerações de transistores no curto espaço de tempo de quatro anos para, até 2025, ultrapassar a TSMC de Taiwan e reconquistar a liderança indiscutível na fabricação de silício. Para isso, ele apostaria tudo na tecnologia EUV (litografia de ultravioleta extremo) da ASML, a mesma que, segundo ele próprio admitiu em uma entrevista de 2022, a Intel foi “estúpida” por não ter adotado antes, permitindo que a concorrência a superasse.
A Realidade vs. a Planilha: Onde o Cálculo Deu Errado?
Embora a Intel afirmasse repetidamente estar “no caminho certo” para cumprir a meta dos cinco nós, o custo dessa jornada se mostrou financeiramente devastador. A divisão de fabricação de chips da empresa registrou perdas operacionais de US$ 7 bilhões em 2023. O ano de 2024 foi ainda pior, com perdas trimestrais bilionárias, culminando em um prejuízo de US$ 16,6 bilhões no terceiro trimestre. O valor de mercado da Intel foi cortado pela metade durante sua gestão.
O custo humano também foi alto. Em agosto, a empresa anunciou a demissão de mais de 15.000 funcionários para cortar US$ 10 bilhões em custos, uma medida que, segundo ex-funcionários citados pelo The Verge, destruiu completamente o moral interno. A lógica de sacrificar o presente pelo futuro começou a ruir. Se você corta custos em produtos atuais para financiar fábricas futuras, mas esses produtos perdem competitividade e o futuro demora a chegar, o resultado é um vácuo. E a concorrência detesta um vácuo.
O Elefante na Sala de Silício: A Inteligência Artificial
O maior erro de cálculo, no entanto, foi não antecipar a velocidade e a magnitude da explosão da Inteligência Artificial. Enquanto a Nvidia via seu valor de mercado explodir graças à corrida do ouro da IA, a Intel ficou assistindo da arquibancada. Seu principal acelerador de IA, o Gaudi, não conseguiu atingir a meta de receita, já rebaixada, de US$ 500 milhões. A razão, apontam analistas, foi um erro de projeto: a arquitetura dos chips da Intel foi otimizada para operações que não eram as mais demandadas pelos modelos de linguagem que impulsionam a IA generativa. A AMD adaptou-se rapidamente; a Intel, não.
Essa falha foi agravada por outros tropeços públicos: problemas de instabilidade em suas CPUs de desktop mais recentes e a decisão da Microsoft de lançar sua iniciativa Copilot Plus PC exclusivamente com chips da Qualcomm, preterindo sua parceira histórica. A percepção do mercado era clara: a Intel havia perdido o rumo.
A Gota D'água: O Ultimato do Conselho
A decisão abrupta do conselho sugere que a confiança no plano de Gelsinger simplesmente evaporou. Fontes citadas pela imprensa internacional indicam que a diretoria sentiu que o progresso era lento demais e que a obsessão em construir fábricas negligenciava a necessidade de criar produtos vencedores no mercado atual. Um relatório do The New York Times lançou ainda mais dúvidas, afirmando que o processo de fabricação mais avançado da Intel, o 18A, apresentava uma taxa de chips sem falhas inferior a 10%, enquanto o processo equivalente da TSMC já alcançava 30%.
Com a saída de Gelsinger, a Intel nomeou o CFO David Zinsner e a CEO de Produtos Michelle Johnston Holthaus como co-CEOs interinos. A questão que fica não é apenas quem será o próximo líder, mas qual será a identidade da Intel. A empresa está em uma encruzilhada lógica: continuar a aposta multibilionária e de alto risco para ser uma potência de fabricação ou, como a AMD fez no passado, desmembrar suas fábricas e se concentrar em ser uma empresa de design de chips. A aposta de Pat Gelsinger não se pagou a tempo, e agora a Intel precisa recalcular sua rota antes que seja tarde demais.
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