A Diplomacia do Código-Fonte: O Que o Acordo do TikTok Realmente Significa
Após um encontro de cúpula entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente chinês, Xi Jinping, nesta quinta-feira, 30 de outubro de 2025, a longa novela sobre o futuro do TikTok parece se aproximar de um desfecho. Embora nenhum dos líderes tenha batido o martelo publicamente, o Secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, declarou à Fox News que “finalizamos o acordo do TikTok em termos de obter a aprovação chinesa”, sinalizando que a resolução deve ocorrer nas “próximas semanas e meses”. Mas o que exatamente está sendo negociado? Este não é um simples diálogo sobre apps; é uma complexa negociação sobre a soberania de ecossistemas digitais.
A Arquitetura do Acordo: Uma Ponte Digital com Pedágio
O plano que está na mesa é uma fascinante obra de engenharia geopolítica e de software. Em vez de uma venda completa ou um banimento, a proposta cria uma versão americana do TikTok. A empresa-mãe, a chinesa ByteDance, manteria uma participação de 20%, mas a operação nos EUA ficaria sob um novo controle, com investidores escolhidos a dedo por Trump, incluindo gigantes como Oracle, Silver Lake e Andreessen Horowitz. A Oracle não entraria apenas com dinheiro, mas atuaria como uma espécie de “guardiã tecnológica”, garantindo a segurança dos dados dos usuários americanos.
O ponto central dessa arquitetura é que a nova entidade americana não compraria o código-fonte, mas sim licenciaria o famoso algoritmo do TikTok. Pense nisso como a construção de uma ponte entre duas nações digitais. A planta da ponte (o algoritmo) ainda pertence à China, mas os EUA construirão sua própria versão, com seus próprios fiscais (a Oracle) e regras de tráfego. Segundo Dan Ives, analista da Wedbush Securities, “comprar o TikTok sem o algoritmo seria como comprar uma Ferrari sem o motor”. O governo Trump parece ter entendido o recado: o valor não está na marca, mas na inteligência que a move.
Um Feed “100% MAGA”? O Risco da Politização do Algoritmo
Se o acordo for consumado, o que muda para os milhões de usuários americanos (e, por tabela, para o ecossistema global de conteúdo)? A resposta é: potencialmente tudo. Os novos donos americanos teriam a tarefa de “retreinar” o algoritmo. Isso significa que as preferências e vieses dos novos controladores poderiam, intencionalmente ou não, remodelar completamente o tipo de conteúdo que viraliza na plataforma.
Essa não é uma preocupação teórica. De acordo com o que foi reportado pela Scientific American, a professora Kelley Cotter, especialista em algoritmos da Pennsylvania State University, alerta que “um proprietário com um ponto de vista ideológico forte e a vontade de torná-lo parte do aplicativo pode, através de ajustes no algoritmo, remodelar a composição geral do conteúdo na plataforma”. As motivações políticas por trás da pressão pela venda já davam pistas disso. Legisladores republicanos expressaram preocupação com o que perceberam como “maior visibilidade de hashtags palestinas em detrimento de hashtags israelenses”.
O próprio presidente Trump já sugeriu que gostaria de ver o aplicativo se tornar “100 por cento MAGA”. Com investidores de perfil declaradamente conservador, esse desejo pode se tornar uma diretriz de programação. A grande questão que fica para os usuários e para o mercado é: o que acontece quando uma plataforma de alcance massivo deixa de ser um ecossistema de conteúdo para se tornar um instrumento político? O resultado pode ser um êxodo de usuários de inclinação progressista, transformando o TikTok em uma câmara de eco da direita, como sugeriu Cotter. Isso, por sua vez, alteraria drasticamente o tipo de conteúdo produzido e consumido, impactando criadores, marcas e a cultura digital como um todo.
Além da questão ideológica, há também um desafio técnico. A migração de milhões de usuários para uma nova infraestrutura controlada pela Oracle pode ser turbulenta. Qualquer instabilidade ou “glitch” no processo poderia afastar ainda mais usuários, acelerando a transformação do perfil da plataforma. O conteúdo global continuaria disponível, mas não está claro que tipo de filtro ou curadoria seria aplicado a ele pela nova gestão.
O Futuro da “Splinternet” e as Próximas Cenas
Enquanto o Secretário do Tesouro americano exala confiança, o Ministério do Comércio da China foi mais contido, afirmando apenas que “resolverá adequadamente as questões relacionadas ao TikTok com os Estados Unidos”. Essa diferença de tom sugere que Pequim ainda pode ter suas próprias condições antes de dar a bênção final. A relutância chinesa em ceder o controle de um fenômeno global que nasceu em seu território é compreensível.
Este acordo, se concretizado, será mais do que o fim de uma disputa comercial. Ele estabelece um precedente importante para a internet global. Estamos testemunhando a formalização de uma “splinternet”, onde os serviços online são fragmentados e localizados de acordo com fronteiras políticas? Se um aplicativo pode ter seu algoritmo “nacionalizado” para servir a uma agenda ideológica, o que impede que o mesmo aconteça com outras plataformas? A ponte digital que está sendo construída para o TikTok pode, no fim das contas, ser o protótipo para os muros que dividirão a internet do futuro.
{{ comment.name }}
{{ comment.comment }}