Em um mercado digital onde um único rei parece governar absoluto, o que acontece quando um novo império, vindo do outro lado do mundo, decide erguer sua bandeira? A paisagem do delivery brasileiro, há muito dominada pela presença onipresente do iFood, está prestes a testemunhar a chegada de um desafiante de peso. A Keeta, subsidiária da gigante chinesa Meituan, desembarca oficialmente no país, trazendo na bagagem não apenas tecnologia, mas um investimento colossal de R$ 5,6 bilhões para os próximos cinco anos. A promessa é de uma guerra, e a primeira batalha já tem data e local: 30 de outubro, nas cidades de Santos e São Vicente, no litoral paulista.
O Desembarque do Dragão Asiático
A escolha do campo de batalha inicial não foi obra do acaso. Longe dos holofotes da capital, Santos e São Vicente representam um microcosmo estratégico para a Keeta. Segundo dados levantados pela empresa, 82% dos pedidos de delivery em Santos são originados por pequenas e médias empresas, um ecossistema ideal para testar seu modelo de negócios focado em impulsionar comércios locais. A companhia chinesa já demonstra sua força antes mesmo de ligar os motores: mais de 700 restaurantes, incluindo grandes redes como Sodiê e The Coffee, e mais de 2 mil entregadores já estão cadastrados e em treinamento na região.
Entre as promessas para seduzir parceiros e clientes, a Keeta aposta em seu know-how global para otimizar rotas e reduzir o tempo de espera. Há também a intrigante menção a um “capacete inteligente” para ciclistas, um artefato tecnológico cujos detalhes ainda são um mistério, mas que acena com um futuro de mais segurança e eficiência para os trabalhadores. Será a tecnologia a arma capaz de desequilibrar o jogo?
Uma Guerra de Bilhões e Estratégias
A reação do iFood não tardou e veio na mesma moeda: a dos bilhões. Em um movimento interpretado como resposta direta à nova concorrência, a plataforma brasileira elevou seu plano de investimentos para R$ 17 bilhões até março de 2026. Mas a disputa transcende os valores. Ela já ecoa nos corredores da justiça. A Keeta move uma ação contra a 99Food, acusando-a de impor cláusulas de exclusividade que sufocam a concorrência.
Enquanto isso, o iFood, conforme noticiado pelo Baguete, denuncia o que seu CEO chama de um “ataque coordenado e sistemático” de espionagem. Relatos apontam para mais de 170 contatos de consultorias, algumas supostamente chinesas, tentando extrair informações sensíveis de seus executivos com ofertas financeiras tentadoras. A guerra não se trava apenas nos aplicativos, mas nas sombras da inteligência corporativa, onde a informação é a munição mais valiosa.
O Fantasma dos que Partiram
Contudo, o solo brasileiro já se provou um cemitério para gigantes internacionais do delivery. Nomes como Uber Eats e Glovo são espectros que assombram qualquer novo entrante, lembretes de que um grande investimento não é garantia de sobrevivência. Fontes do mercado, ouvidas pelo Startups, questionam se os R$ 5,6 bilhões da Keeta serão suficientes para cobrir os enormes custos de operação no país, que vão de marketing agressivo a uma complexa estrutura de tecnologia e suporte.
Para se ter uma dimensão, a Rappi anunciou um aporte de R$ 1,4 bilhão para os próximos três anos, com grande parte destinada a subsidiar tarifas e baratear o serviço, uma estratégia de força bruta para ganhar mercado. O orçamento anual da Keeta parece modesto diante de um cenário tão belicoso. Estaria a gigante chinesa subestimando o desafio?
Um Novo Equilíbrio ou Apenas Mais do Mesmo?
No final desta equação complexa, estão as pessoas. Para os donos de restaurantes, a chegada da Keeta pode significar o fim de uma dependência e o início de um maior poder de barganha. Para os consumidores, a perspectiva é de uma benéfica guerra de preços e melhores prazos de entrega. Mas e para os entregadores, a força motriz deste ecossistema? A promessa de tecnologia e segurança é bem-vinda, mas o ceticismo prevalece. A dúvida que paira no ar é se a novidade representa uma real melhoria ou, como alguns temem, apenas a troca da cor da “coleira”. A questão fundamental permanece: será que a Keeta conseguirá decifrar a alma do mercado brasileiro e construir um legado, ou se tornará apenas mais um nome na lápide dos que tentaram e falharam em destronar o rei?
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