O Exterminador do Bom Senso?
Parece que o futuro prometido, cheio de andróides servindo cafezinho, talvez precise de um grande ajuste de rota. Rodney Brooks, um dos nomes mais respeitados da robótica, cofundador da iRobot e veterano do MIT, resolveu jogar um balde de água fria nos ânimos do Vale do Silício. Em um ensaio repercutido pela TechCrunch, Brooks afirma sem rodeios que a atual bolha de investimentos em robôs humanoides está "condenada a estourar" e que os bilhões de dólares injetados em empresas como a Figure e projetos da Tesla são, na prática, dinheiro jogado fora. Para um especialista que vê o mundo como um grande ecossistema de serviços conectados, a abordagem atual é como tentar construir uma ponte sem entender a física por trás dela.
O Diálogo Interrompido: A API do Toque que Ninguém Desenvolveu
O ponto central da crítica de Brooks é a forma como essas empresas tentam ensinar destreza aos robôs: mostrando vídeos de humanos executando tarefas. Ele classifica essa estratégia como "puro pensamento de fantasia". A razão é simples e elegantemente técnica: falta um canal de comunicação, uma API fundamental. Nossas mãos são uma maravilha da engenharia biológica, equipadas com cerca de 17.000 receptores de toque especializados que nos permitem sentir pressão, textura e temperatura. Os robôs? Eles não têm nada que chegue perto disso.
Brooks explica que, enquanto a inteligência artificial revolucionou o reconhecimento de voz e de imagem, esses avanços foram construídos sobre décadas de tecnologia que já existia para capturar dados de áudio e vídeo. No entanto, como ele ressalta, "não temos essa tradição para dados de toque". Em outras palavras, estamos tentando ensinar um cérebro de IA a dialogar com uma mão que é surda e muda ao toque. É um monólogo, não uma conversa, e sem esse feedback sensorial, a destreza complexa é impossível de replicar de forma escalável.
A Física Não Mente: O Risco de Tombar Gigantes de Metal
Além da falta de tato, há outra questão que não pode ser resolvida apenas com software: a boa e velha física. Manter um robô bípede de tamanho humano em pé exige uma quantidade massiva de energia. Quando essa máquina falha e cai — e ela vai cair —, toda essa energia é liberada de forma perigosa. Brooks adverte que a física torna o problema ainda pior com o aumento da escala. Um robô com o dobro do tamanho dos modelos atuais conteria oito vezes mais energia destrutiva em uma queda. É um protocolo de segurança que parece ter uma falha gigantesca no design.
Não é a primeira vez que Brooks atua como a voz da razão. Conforme a TechCrunch relembra, ele já havia criticado o hype em torno da IA generativa, citando um estudo da METR onde desenvolvedores altamente qualificados levaram 19% mais tempo para concluir tarefas usando ferramentas de IA, apesar de perceberem que tinham sido 20% mais rápidos. Uma desconexão clássica entre a percepção e a realidade, algo que ele vê se repetindo no campo dos humanoides.
O Ecossistema Bilionário e o Futuro com Rodas
Apesar de seu ceticismo, o ecossistema de robôs humanoides não é uma ilha. Ele está profundamente conectado aos continentes da Big Tech. A Apptronik, por exemplo, é apoiada pelo Google e tem parceria com a DeepMind. Já a Figure, que recentemente anunciou ter recebido mais de US$ 1 bilhão em capital e foi avaliada em impressionantes US$ 39 bilhões, conta com Microsoft e OpenAI entre seus investidores. Essas conexões mostram que, embora a abordagem possa ser falha na visão de Brooks, o poder financeiro e tecnológico por trás dela é imenso.
Qual seria a solução, então? Segundo a previsão de Brooks, em 15 anos, os robôs "humanoides" de sucesso abandonarão a forma humana. Em vez de duas pernas, terão rodas. Em vez de braços que imitam os nossos, terão múltiplos apêndices especializados. Eles serão projetados para a função, não para a forma, utilizando o endpoint certo para a tarefa certa. Serão máquinas eficientes, seguras e, acima de tudo, realistas.
A mensagem de Rodney Brooks é um chamado à ordem para um mercado movido por promessas grandiosas. Ele nos lembra que, para construir um ecossistema tecnológico funcional, não basta ter uma IA brilhante; é preciso que todo o sistema, do software ao último sensor de hardware, converse de forma fluida e coerente. Do contrário, os bilhões investidos hoje estarão apenas financiando experimentos caros que, no fim, não levarão a lugar nenhum.
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