A IA Virou RH? O Fim dos Empregos de Entrada em TI

Uma onda de sinceridade vinda dos altos escalões da tecnologia e do varejo está agitando o ecossistema profissional. Em declarações recentes, líderes da Anthropic, uma das potências em IA, e do Walmart, o maior empregador do planeta, colocaram as cartas na mesa: a automação não é mais uma promessa distante, ela já está aqui, redefinindo as regras de contratação e, para muitos, fechando as portas de entrada na carreira de tecnologia.

O 'Sincerocídio' da Anthropic: Por Que Não Contratamos Juniores?

O recado mais direto veio de Mike Krieger, CPO da Anthropic e cofundador do Instagram. Durante sua participação no podcast Silicon Valley Girl, ele admitiu sem rodeios que a empresa "tendeu menos a contratar recém-formados". A justificativa é um reflexo da própria tecnologia que eles desenvolvem. Segundo Krieger, modelos como o Claude deixaram de ser meros assistentes para se tornarem "colaboradores". Tarefas que antes levavam de 20 a 30 minutos para um desenvolvedor júnior agora são delegadas e executadas pela IA, com o humano atuando apenas como um validador.

Essa nova dinâmica de interoperabilidade entre humano e máquina cria um cenário onde a experiência prévia é fundamental. A Anthropic, conforme revelado por Krieger, chega a usar seu próprio modelo Claude para desenvolver novos produtos, como o Claude Code. É um sistema que se autoaprimora. Nesse ecossistema, a empresa busca profissionais que já saibam como integrar e orquestrar soluções complexas, não aqueles que ainda estão aprendendo a construir os blocos básicos. "Você quer pessoas que sejam definidas mais pelos problemas que querem resolver... do que por um muito específico 'eu sei JavaScript'", explicou ele. A barra de entrada subiu tanto que, segundo ele, a empresa procura por pessoas que, em seu tempo livre, já estão prototipando ideias e as trazem para a entrevista.

Walmart Conecta os Pontos: A Transformação em Escala Global

Se o aviso de uma empresa de ponta em IA parece um problema de nicho, a declaração de Doug McMillon, CEO do Walmart, traz a questão para a realidade de milhões. Com 2,1 milhões de funcionários, o Walmart é um termômetro do mercado de trabalho global. Em uma conferência com executivos, McMillon foi categórico: "É muito claro que a IA vai mudar literalmente todos os empregos". Ele foi além, dizendo: "Talvez exista um emprego no mundo que a IA não vá mudar, mas eu ainda não pensei em qual seria".

De acordo com o Wall Street Journal, a empresa já está automatizando tarefas em centros de distribuição e lojas. No entanto, em vez de uma demissão em massa, o Walmart está promovendo um redesenho de funções. O número total de colaboradores deve permanecer estável nos próximos três anos, mas os cargos serão outros. Estão surgindo funções como o "agent builder", um especialista dedicado a criar soluções de IA para apoiar as equipes. A gigante do varejo está, na prática, construindo uma nova camada de comunicação e operação, onde "agentes" de IA mediam o diálogo entre clientes, fornecedores e até funcionários.

O Paradoxo do Primeiro Emprego: A Experiência que Ninguém Oferece

A convergência das visões de Krieger e McMillon expõe um paradoxo doloroso para quem está começando. As empresas estão eliminando as posições que serviam como a principal porta de entrada e campo de treinamento para novos talentos. Como um recém-formado pode adquirir a experiência exigida se os empregos que a forneciam estão sendo automatizados? É uma falha grave na "API" que conecta o mundo acadêmico ao mercado de trabalho.

Essa realidade é confirmada por dados. Um relatório citado pelo Final Round AI aponta que, em 2025, a taxa de desemprego para graduados em ciência da computação atingiu 6,1%, quase o dobro da de formados em filosofia. Enquanto isso, a indústria que por décadas pregou o mantra "aprenda a programar" parece agora só querer quem já sabe tudo. A mensagem implícita é que o processo caro e demorado de desenvolver talento humano está sendo terceirizado para as máquinas.

O Mapa para a Nova Carreira Tech

Apesar do cenário desafiador, as falas dos executivos também oferecem um mapa para a sobrevivência e relevância profissional. O próprio Mike Krieger deu a dica: mais importante do que aprender uma linguagem de programação específica, como Python, é a capacidade de "pensar em termos de sistemas". O profissional do futuro não é apenas um construtor, mas um arquiteto de integrações, alguém que entende como diferentes sistemas e agentes de IA podem se comunicar para criar valor.

Essa visão é corroborada por Ronnie Chatterji, economista-chefe da OpenAI, que, segundo a Exame, prevê que o impacto da IA no mercado de trabalho será muito maior nos próximos 18 a 36 meses. A conclusão é inevitável: a carreira em tecnologia está mudando de foco. O valor não está mais em escrever código repetitivo, mas em possuir um pensamento sistêmico, curioso e criativo para resolver problemas complexos, usando a IA como uma poderosa aliada. O diálogo mudou, e quem não aprender o novo idioma corre o risco de ficar em silêncio.