PlayStation e Xbox admitem que o negócio agora é software, não hardware
Houve um tempo, não muito distante, em que a escolha de um console definia amizades, limitava bibliotecas de jogos e alimentava debates intermináveis em fóruns online. Essa era, conhecida como a “guerra dos consoles”, parece ter chegado a um armistício silencioso, não por falta de combatentes, mas por uma mudança fundamental na lógica de negócios. Uma análise do portal The Verge aponta que tanto a Sony quanto a Microsoft perceberam que a verdadeira batalha não é mais pela venda da “caixa” ou da “estação”, mas sim pela distribuição de software para o maior número de telas possível.
Se um jogo faz sucesso, então ele deve estar em todo lugar
A prova mais contundente dessa nova realidade veio de forma irônica. Em uma reviravolta digna de roteiro, a Sony publicou Helldivers 2, um jogo de PlayStation, no Xbox e viu seu título se tornar o mais vendido na plataforma da concorrente. Se isso soa como um universo paralelo, prepare-se: jogos do Xbox também chegaram a liderar as pré-vendas na PlayStation Store em março. A lógica é simples e implacável: se o objetivo é o lucro, então restringir um produto de sucesso a um único hardware é um mau negócio.
Essa abertura não é um caso isolado. Títulos que antes seriam trancados a sete chaves em um ecossistema agora são apenas “exclusivos de console por tempo determinado”. A Microsoft, por exemplo, lançou seu exclusivo Indiana Jones and the Great Circle no PS5 apenas quatro meses após a estreia. Mais chocante ainda, a remasterização de Gears of War, um dos pilares da marca Xbox, foi lançada simultaneamente para PlayStation, Xbox e PC. Até mesmo um crossover com Halo apareceu em Helldivers 2, jogável no PS5. A paz, ao que parece, é extremamente lucrativa.
A Caixa e a Estação: A inevitável convergência para o PC
Para entender essa mudança, é preciso olhar para dentro do hardware. A era do PlayStation 3, com sua exótica e complexa arquitetura Cell, que segundo Gabe Newell, da Valve, foi “uma perda de tempo para todo mundo”, serviu de lição. Segundo o The Verge, a partir de 2012, tanto Sony quanto Microsoft adotaram a arquitetura AMD x86 para seus consoles, a mesma encontrada em PCs com Windows. Essa padronização, combinada com motores de jogo multiplataforma como Unreal e Unity, tornou o desenvolvimento de jogos para diferentes sistemas imensamente mais fácil e barato.
O resultado é que, tecnicamente, o PlayStation e o Xbox tornaram-se fundamentalmente a mesma coisa: um PC gamer de entrada otimizado para a sala de estar. A verdadeira diferenciação passou a ser a interface e os serviços, não mais o silício sob o capô.
Microsoft: Se não vendemos o hardware, então vendemos o software
Para a Microsoft, essa estratégia parece ser uma consequência direta dos resultados de mercado. Conforme aponta a análise, as vendas de consoles Xbox não atingiram as expectativas, impactando também a adesão ao serviço de assinatura Game Pass. A solução lógica? Se os jogadores não estão comprando o hardware Xbox, então a Microsoft levará os jogos do Xbox até onde os jogadores estão. A filosofia “cada tela é um Xbox” deixou de ser um slogan de marketing para se tornar uma diretriz de sobrevivência e expansão.
A empresa já confirmou que está construindo um Xbox de próxima geração, prometendo “o maior salto técnico já visto em uma geração de hardware”. No entanto, a tendência indica que este novo aparelho pode ser menos um console tradicional e mais um PC padronizado, talvez até fabricado em parceria com empresas como a Asus, com quem já lançou o portátil Xbox Ally X.
Sony: A nova página do manual de instruções
Do lado da Sony, a mudança é igualmente declarada. Sadahiko Hayakawa, vice-presidente sênior da empresa, afirmou a investidores em agosto que “no negócio de jogos, estamos nos afastando de um modelo de negócios centrado em hardware para um modelo de plataforma”. A meta da empresa é que, até 2025, metade de seus lançamentos de jogos seja para PC ou mobile, uma redução drástica da dependência do console.
Até mesmo a franquia que um dia foi o principal argumento de venda para o PlayStation original, Final Fantasy VII, terá seu remake chegando ao Xbox e ao suposto Nintendo Switch 2 em 22 de janeiro de 2026. Se nem Cloud Strife consegue mais segurar a exclusividade, quem conseguirá?
O Futuro é um PC otimizado (com a sua logo preferida)
Isso significa o fim do PlayStation e do Xbox? Longe disso. Os consoles não vão desaparecer, pois oferecem uma experiência de jogo simplificada e acessível que a maioria dos consumidores prefere. Contudo, a função deles está se transformando. Eles são a “ponta da lança”, como descreve o The Verge, mas não mais o objetivo final.
A guerra não acabou, ela apenas mudou de campo. A disputa não é mais para colocar uma caixa específica na sua sala, mas para garantir que, independentemente da caixa que você escolher, o software que você joga gere receita para eles. Nesse novo cenário, o grande vencedor é o jogador, que tem acesso a mais jogos, em mais plataformas, com menos barreiras. A única exceção a essa regra continua sendo a Nintendo, que opera em seu próprio universo, onde vender o hardware para jogar seus games exclusivos ainda é um modelo de negócio vitorioso e, francamente, quase impossível de prever.
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