A Gigante e o Tecido da Computação
Na história da computação, os grandes saltos tecnológicos sempre dependeram de um fator subestimado: a comunicação. Dos antigos mainframes que precisavam conversar com seus terminais às redes que deram origem à internet, a capacidade de conectar sistemas de forma eficiente sempre definiu o limite do possível. Hoje, em plena era da inteligência artificial, a história se repete, e a Nvidia acaba de fazer um movimento estratégico para dominar essa fronteira. A companhia está adquirindo a Enfabrica, uma startup de tecnologia de interconexão, em um acordo avaliado em mais de US$ 900 milhões, pago em dinheiro e ações, segundo fontes como CNBC e Reuters.
Fundada em 2019 e incorporada oficialmente em 2020 por Rochan Sankar e Shrijeet Mukherjee, a Enfabrica não estava no radar do grande público, mas operava no coração de um dos maiores desafios dos data centers modernos: como fazer dezenas de milhares de GPUs conversarem entre si sem gargalos. A resposta deles veio na forma de um chip inovador, o Accelerated Compute Fabric Switch (ACF-S).
O Tradutor Universal dos Data Centers
Pense no ACF-S como um tradutor poliglota e extremamente rápido. De um lado, temos o universo dos servidores, que usam protocolos como PCIe e CXL, baseados em semântica de memória. Do outro, temos o mundo das redes, que fala a língua de protocolos como Ethernet e RDMA. A Enfabrica, com sua tecnologia, criou a ponte perfeita entre esses dois domínios. Seu chip é um ASIC (Circuito Integrado de Aplicação Específica) projetado para criar um "tecido" de computação elástico e distribuído, capaz de interligar servidores em escala massiva para aplicações de IA e aprendizado de máquina.
A Nvidia já possui uma solução poderosa para interconexão, o NVLink, que funciona como uma via expressa de altíssima velocidade para GPUs dentro de um mesmo servidor ou rack. No entanto, o NVLink é uma solução para curtas distâncias. A tecnologia da Enfabrica, por sua vez, atua em uma escala muito maior, como um sistema rodoviário que conecta cidades inteiras de racks, criando um tecido de memória desagregado em escala de data center. Isso é exatamente o que a Nvidia precisava para levar seu domínio para o próximo nível.
De Startup Promissora a Joia da Coroa
O crescimento da Enfabrica foi meteórico, refletindo a urgência do mercado por sua solução. A startup levantou um total de US$ 290 milhões em capital de risco. De acordo com dados do Pitchbook, sua jornada de avaliação foi impressionante: começou com uma rodada Série A de US$ 50 milhões em 2022, passou para US$ 125 milhões na Série B em 2023, e alcançou uma avaliação de aproximadamente US$ 600 milhões após uma rodada Série C de US$ 115 milhões em 2024. Notavelmente, a própria Nvidia foi uma das investidoras na Série B, um sinal claro de que a gigante já estava de olho no potencial da Enfabrica há algum tempo.
Em julho, a empresa anunciou seu chassi EMFASYS (Elastic Memory Fabric System), construído em torno do chip ACF-S. O sistema foi projetado para fornecer largura de banda e capacidade de memória elástica para interconectar mais de 100.000 GPUs, atacando diretamente a limitação da caríssima memória de alta largura de banda (HBM) presente em cada chip.
O Ecossistema Bilionário da Nvidia
Esta aquisição não é um evento isolado. Ela faz parte de uma agressiva campanha da Nvidia para construir um ecossistema de IA completo e inatacável. Recentemente, a empresa investiu US$ 5 bilhões para adquirir uma participação na Intel e US$ 700 milhões na Nscale, uma startup de data center que está construindo uma instalação no Reino Unido com a OpenAI. Em 2024, a Nvidia também comprou a israelense Run:ai por US$ 700 milhões para adquirir seu software de orquestração de GPU, e está envolvida com a Kioxia no desenvolvimento de um SSD para IA com tecnologia CXL capaz de atingir 100 milhões de IOPS.
Ao trazer a Enfabrica para dentro de casa, a Nvidia não está apenas comprando uma empresa; está adquirindo uma peça fundamental para o futuro da computação de IA. A integração da tecnologia de tecido de rede da Enfabrica com a arquitetura NVLink pode resultar em sistemas de interconexão ainda mais rápidos e eficientes, consolidando o domínio da Nvidia desde o silício individual até a arquitetura completa do data center. Para o mercado, o recado é claro: na corrida pela supremacia da IA, a Nvidia não está apenas vendendo as picaretas e pás, ela está comprando as minas inteiras.
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