Microsoft Troca C++ por Rust para Blindar o Futuro do Windows e Azure
Imagine um futuro onde a temida "Tela Azul da Morte" é apenas uma lenda urbana contada por programadores mais velhos. Um futuro onde vastas categorias de ciberataques se tornam impossíveis, não por firewalls mais potentes, mas pelo próprio DNA do código que roda o mundo. Esse não é o roteiro de um novo filme de ficção científica, mas o plano em plena execução na Microsoft. A gigante da tecnologia está reescrevendo o futuro de seus sistemas mais importantes, como o Windows e o Azure, trocando o veterano C++ pela linguagem Rust. A revelação, feita em detalhes por Mark Russinovich, o CTO do Azure, durante a conferência RustConf 2025, sinaliza menos uma atualização e mais uma revolução na forma como o software fundamental é construído.
O Fim Programado da Insegurança
Por décadas, o C++ foi a linguagem pilar da computação de alto desempenho, mas sempre carregou um fardo: a gestão manual de memória. Um pequeno descuido de um desenvolvedor poderia abrir brechas de segurança catastróficas, vulnerabilidades que se tornaram o pão de cada dia para hackers. Segundo a apresentação de Russinovich, a Microsoft decidiu que era hora de virar essa página. A aposta é no Rust, uma linguagem moderna conhecida por sua garantia de segurança de memória. Na prática, o compilador do Rust age como um sentinela implacável, impedindo que o código com falhas de memória seja sequer criado. É como construir um arranha-céu onde as próprias vigas de aço rejeitam uma montagem incorreta.
A Microsoft não está apenas testando as águas. O movimento é sistêmico e profundo. Componentes do kernel do Windows, como o Win32k.sys, e partes da infraestrutura de virtualização Hyper-V já estão sendo reescritos. O objetivo é blindar o coração do sistema operacional, tornando-o imune por design a uma classe inteira de exploits. Para o usuário comum, isso se traduz em um futuro com menos travamentos, menos patches de segurança emergenciais e uma confiança muito maior nos dispositivos e serviços que usamos diariamente.
Das Telas Azuis ao Código Quântico
A ambição da Microsoft vai muito além de apenas tapar buracos. A empresa está usando Rust para construir a próxima geração de sua infraestrutura. Um exemplo que parece saído de um laboratório futurista é o projeto Hyperlight. Russinovich demonstrou um sistema capaz de inicializar uma máquina virtual completa em apenas 1.5 milissegundos. Não são contêineres, mas VMs de verdade, com isolamento total, surgindo quase instantaneamente. "Não queremos um hypervisor completo com um sistema operacional completo só para rodar um código de usuário em que não confiamos", afirmou ele, explicando que a solução, originalmente prototipada em C#, foi reescrita em Rust para atingir essa performance alucinante. O Hyperlight já está em produção no Azure Front Door, processando tráfego real.
Talvez a prova mais contundente do comprometimento da Microsoft seja a reescrita da SymCrypt, sua biblioteca criptográfica central. Como Russinovich descreveu, "este é literalmente o código mais sensível que temos". A SymCrypt é o cofre digital que protege tudo, do Windows ao Office. A nova versão em Rust não está sendo apenas portada, mas formalmente verificada com ferramentas de pesquisa da Microsoft para provar matematicamente sua correção. Além disso, os novos algoritmos de criptografia pós-quântica, como o ML-KEM, já estão sendo desenvolvidos do zero em Rust. É a Microsoft construindo as fundações para uma era em que até mesmo os computadores quânticos não serão capazes de quebrar sua segurança.
A Ponte para o Futuro: IA e Ferramentas de Transição
Reescrever milhões de linhas de código é uma tarefa hercúlea, e a Microsoft sabe disso. Por isso, a empresa está construindo as ferramentas para facilitar essa migração. Uma delas é um plugin do Cargo para o MSBuild, que permite, de forma simplificada, integrar módulos Rust em projetos C++ e C# existentes. "Não podemos simplesmente dizer às equipes para jogarem fora milhões de linhas de código que funcionam", admitiu Russinovich. Essa ferramenta, agora de código aberto, funciona como uma ponte, permitindo uma transição gradual e segura para o novo ecossistema.
Mas a peça mais visionária dessa estratégia é o uso de Inteligência Artificial para automatizar a tradução de código. Russinovich demonstrou a tecnologia GraphRAG, que converteu um jogo Python de três arquivos para Rust de forma autônoma. Diferente de um LLM comum que, segundo ele, "lhe entrega lixo", a ferramenta da Microsoft analisa a estrutura semântica do código para gerar um equivalente em Rust funcional e compilável. Embora a demonstração tenha sido com um projeto pequeno, a implicação é gigantesca. Se essa tecnologia puder ser escalada para aplicações complexas, ela removerá a maior barreira para a adoção do Rust, permitindo que empresas modernizem seus sistemas legados em uma fração do tempo e do custo.
O Desafio de Reprogramar o Cérebro
Apesar do otimismo, Russinovich foi transparente sobre os desafios. A curva de aprendizado para desenvolvedores vindos do C++ é íngreme. "É um choque quando você vem do C++", confessou. "Seu cérebro tem que se reprogramar completamente sobre como pensar em memória e propriedade". Pesquisas internas da Microsoft mostram que os desenvolvedores ainda enfrentam dificuldades com a interoperabilidade entre linguagens e a depuração de código assíncrono.
No entanto, o veredito dos que fazem a transição é claro: eles não querem voltar. Após alguns meses de adaptação, os programadores se tornam defensores do Rust. A performance é consistentemente superior e, o mais importante, categorias inteiras de bugs simplesmente deixam de existir. A Microsoft está investindo pesado em ferramentas, como melhor integração com o Visual Studio Code e assistentes de IA, para suavizar essa transição e acelerar a capacitação de seus engenheiros.
Conclusão: O Código do Amanhã
A apresentação de Mark Russinovich na RustConf 2025 não foi apenas sobre uma nova linguagem de programação. Foi a revelação de uma estratégia de longo prazo para construir uma infraestrutura digital fundamentalmente mais segura e resiliente. Ao adotar o Rust em seus produtos mais importantes, a Microsoft não está apenas corrigindo os problemas do passado, mas se preparando para os desafios do futuro. Estamos testemunhando a construção das fundações de um mundo digital onde a segurança não é uma camada adicional, mas uma propriedade inerente ao próprio código. Um futuro que está sendo compilado, linha por linha, em Rust.
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