O Exército dos EUA Tenta Desbugar a Realidade Aumentada
Em uma reviravolta digna de um roteiro de ficção científica que deu errado, o Exército dos EUA decidiu apertar o botão de reset em seu ambicioso projeto de equipar soldados com headsets de realidade mista. Após o programa IVAS, uma parceria de US$ 22 bilhões com a Microsoft, resultar em mais dores de cabeça e náuseas do que vantagens táticas, o Pentágono agora aposta em novos protagonistas: a Anduril, do fundador do Oculus, Palmer Luckey, e a Rivet Industries. O novo programa, batizado de Soldier Borne Mission Command (SBMC), chega com um orçamento de US$ 354 milhões e a missão de, desta vez, acertar a mão.
Do Fracasso Bilionário ao Recomeço Modesto
Vamos dissecar a lógica dos fatos. Se você investe US$ 22 bilhões em uma tecnologia baseada no Microsoft HoloLens para dar aos seus soldados uma visão de campo de batalha digna de um game, então você espera, no mínimo, que eles consigam usá-la sem passar mal. Acontece que a realidade foi bem diferente. O programa Integrated Visual Augmentation System (IVAS) da Microsoft, iniciado em 2021, foi atormentado por atrasos e problemas técnicos graves.
De acordo com relatos e testes de campo, os soldados que utilizaram os protótipos sofreram com o que foi oficialmente descrito como "deficiências físicas que afetam a missão". Em português claro: dores de cabeça, cansaço visual e náuseas. A situação se tornou tão insustentável que o Congresso dos EUA congelou o financiamento do programa em 2023, pedindo ao Exército que focasse em consertar os problemas existentes em vez de seguir em frente com um design falho. A lógica é implacável: um soldado enjoado é um soldado menos eficaz. A Microsoft acabou passando a gestão do IVAS para a Palantir em fevereiro de 2025, pouco antes do projeto ser oficialmente descontinuado em abril para dar lugar ao SBMC.
Entra em Cena a Tropa de Elite de Palmer Luckey
Com a página do HoloLens militar virada, o Exército dos EUA agora aposta em uma abordagem diferente. O programa SBMC distribuirá seus US$ 354 milhões entre duas empresas de tecnologia de defesa. A Anduril, de Palmer Luckey, receberá US$ 159 milhões para prototipar um headset completamente novo que integra visão noturna, realidade aumentada e inteligência artificial. A Rivet Industries, uma startup fundada em 2024 por ex-executivos da Palantir, ficará com US$ 195 milhões para testar, desenvolver e ajudar a implementar a melhor solução.
O objetivo, segundo o comunicado do Exército, é fornecer aos soldados uma ferramenta que melhore a consciência situacional e a capacidade de comando no campo de batalha. A ideia é que o headset processe dados de múltiplos sensores para cortar o que Anduril chama de "névoa da guerra", um problema que, segundo a empresa, existe porque a inteligência fica "presa em silos" tecnológicos. Em outras palavras, eles querem que o soldado tenha um HUD (Heads-Up Display) que mostre informações relevantes em tempo real, evitando que percam segundos preciosos tentando entender o cenário de combate.
Duas Empresas, Uma Missão e Zero Microsoft
A nova estratégia do Exército parece ter aprendido uma lição importante: não colocar todos os ovos na mesma cesta, especialmente se a cesta pertence a uma gigante de tecnologia sem foco principal em defesa. Ao contratar Anduril e Rivet como empreiteiras principais separadas, que não trabalharão diretamente juntas no projeto, o Exército está diversificando suas apostas.
A Rivet Industries, em particular, não poupou palavras para alfinetar a antecessora. Em um comunicado, um porta-voz da empresa afirmou: "Nossa solução de folha limpa foi moldada diretamente pela opinião dos soldados e não carrega nenhum legado de compromissos de Big Techs ou dispositivos de consumo fracassados". Uma análise forense dessa frase aponta diretamente para a Microsoft e seu HoloLens. A mensagem é clara: o problema não era a ideia, mas a execução vinda de uma cultura corporativa diferente.
Enquanto a Anduril, conforme um porta-voz informou ao The Register, desenvolverá um hardware totalmente novo, a Rivet está focada em criar uma arquitetura modular e abrangente. Isso inclui displays em formato de óculos, módulos de computação e sensores corporais, todos conectados por uma camada de software extensível. A modularidade é um ponto-chave, permitindo atualizações e adaptações que o sistema monolítico anterior não facilitava.
O Futuro da Guerra Aumentada: Tentativa e Erro?
A decisão de recomeçar com um orçamento que representa menos de 2% do contrato original da Microsoft é, no mínimo, um atestado de humildade forçada. O Exército dos EUA aprendeu da maneira mais cara que promessas de marketing não se traduzem automaticamente em equipamento militar eficaz. A aposta agora é em empresas mais ágeis e especializadas no setor de defesa, que, teoricamente, entendem melhor as necessidades e as duras condições do campo de batalha.
Resta saber se a Anduril e a Rivet conseguirão entregar os "superpoderes" prometidos onde a Microsoft falhou. A jornada para criar um soldado tecnologicamente aumentado continua, provando que, mesmo com todo o avanço da tecnologia, a implementação prática no mundo real ainda é um processo complexo de tentativa, erro e, neste caso, muitos bilhões de dólares jogados fora.
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