Guerra Fria Tecnológica: República Tcheca sobe o tom e alerta contra uso de tecnologia chinesa

Em um movimento que ecoa as tensões geopolíticas da Guerra Fria, mas em um campo de batalha digital, a República Tcheca emitiu um sério alerta para suas organizações mais vitais. A Agência Nacional de Segurança Cibernética e da Informação (NUKIB) elevou sua avaliação de risco para o nível 'Alto', instruindo formalmente toda a infraestrutura crítica do país a reavaliar e, preferencialmente, evitar o uso de tecnologia de origem chinesa. A diretriz, datada de setembro de 2025, vai além do hardware e software, desaconselhando também a transferência de dados de usuários para servidores localizados na China, a menos que haja uma justificativa extremamente razoável para tal prática.

O Fantasma na Máquina: Confiança como Moeda

A decisão da NUKIB não surgiu do vácuo, mas de uma reavaliação ponderada dos riscos que a China representa para a segurança nacional tcheca. Segundo o comunicado oficial da agência, a probabilidade de uma perturbação significativa causada por atores chineses é agora considerada alta. "Os sistemas de infraestrutura crítica atuais são cada vez mais dependentes do armazenamento e processamento de dados em repositórios em nuvem e da conectividade de rede que permite operação e atualizações remotas", destaca o documento. Na prática, isso significa que os fornecedores de soluções tecnológicas podem ter uma influência fundamental sobre o funcionamento de setores como energia, saúde e transportes, tornando a confiança no fornecedor um pilar essencial da segurança.

Para fundamentar sua posição, a agência citou atividades maliciosas já confirmadas de ciberatores chineses contra alvos na República Tcheca. Um exemplo notório mencionado foi a recente campanha do grupo APT31, que teve como alvo o Ministério das Relações Exteriores do país. Além das ameaças ativas, a NUKIB ressalta um fator estrutural: a legislação chinesa. O governo chinês tem, por lei, acesso aos dados armazenados por provedores de serviços privados dentro de suas fronteiras, garantindo que informações sensíveis, mesmo que sob a guarda de uma empresa particular, estejam sempre ao alcance do Estado.

Do Bolso à Garagem: A Capilaridade do Risco

O alerta da NUKIB não se restringe a grandes servidores e sistemas de controle industrial. A agência faz questão de ampliar o escopo da ameaça para dispositivos do cotidiano, que formam a teia de conectividade da vida moderna. A lista de equipamentos considerados de risco é vasta e inclui desde os onipresentes smartphones e câmeras de IP até carros elétricos, modelos de linguagem de grande escala (LLMs), dispositivos médicos e até mesmo conversores fotovoltaicos fabricados por empresas chinesas.

Cada um desses aparelhos, segundo a agência, é um potencial vetor para a transferência de dados sensíveis para a infraestrutura chinesa. A preocupação é que a coleta massiva de informações, aparentemente inócuas, possa ser agregada para mapear comportamentos, identificar vulnerabilidades e, em um cenário extremo, comprometer a segurança de indivíduos e do próprio Estado. É um lembrete de que, na era da Internet das Coisas, a soberania digital começa nos pequenos aparelhos que conectamos à rede.

O Peso da Lei e a Escolha do Cidadão

Para todas as entidades que estão sob o guarda-chuva da Lei de Cibersegurança Tcheca — o que inclui setores de energia, transporte, saúde, administração pública, serviços financeiros e outras indústrias críticas —, a nova diretriz tem força de lei. Embora o documento não imponha uma proibição total, ele exige que essas organizações incorporem a ameaça em suas análises de risco e implementem medidas de mitigação adequadas. A mensagem é clara: ignorar o aviso não é uma opção.

Para o público em geral, a ordem não é legalmente vinculativa. Contudo, a NUKIB recomenda fortemente que os cidadãos tchecos considerem o boletim com atenção e avaliem os produtos que utilizam no seu dia a dia. É um convite à reflexão sobre a procedência da tecnologia que permeia nossas vidas e sobre quem, em última instância, tem acesso aos nossos dados. A decisão de Praga pode ser vista como o levantar de um muro digital, uma tentativa de proteger sua infraestrutura em um mundo onde as fronteiras físicas importam cada vez menos que as virtuais.