O que parecia ser apenas mais uma segunda-feira no calendário corporativo de 2025 transformou-se em um marco, talvez um epitáfio, para a era dourada do trabalho remoto no Brasil. O Itaú Unibanco, um dos gigantes do sistema financeiro nacional, apertou o botão de ‘ejetar’ para um número ainda incerto de colaboradores, mirando especificamente naqueles que operavam de suas casas. A justificativa oficial soa como um roteiro de ficção científica distópica: problemas de produtividade e condutas “incompatíveis com os princípios de confiança do banco”. A onda de choque não foi apenas sobre os empregos perdidos; foi sobre a mensagem enviada a todo o mercado: o experimento do home office em larga escala pode estar com os dias contados.

O Grande Irmão Corporativo: A Justificativa Oficial

Em nota oficial, o Itaú confirmou os desligamentos como resultado de uma “revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto e registro de jornada”. Embora a instituição se esquive do termo “demissão em massa”, preferindo tratar os casos como individuais, as redes sociais foram inundadas por relatos que pintam um cenário de layoff coordenado, com especulações que variam de mil a impressionantes cinco mil cortes. O banco, que emprega cerca de 100 mil pessoas, não confirmou os números, deixando um vácuo de informação preenchido pelo pânico e pela desconfiança. Um boato viralizado nas redes, mencionado em diversas postagens, afirmava que o critério para o corte teria sido o tempo de inatividade: funcionários que passavam “mais de 60% do tempo fora do PC” teriam sido os primeiros a cair. Se confirmado, estamos diante de um nível de vigilância digital que faz o filme Minority Report parecer um documentário sobre privacidade. Este movimento se alinha a outra estratégia do banco: o fechamento de agências físicas, que já somam mais de 227 unidades encerradas em 2024, indicando uma clara centralização do controle.

A Culpa é das Estrelas... ou dos Colegas?

Enquanto a narrativa fácil seria pintar o Itaú como o vilão corporativo que esmaga o sonho do trabalhador, a questão parece ter camadas mais complexas. Para Ricardo Pupo Larguesa, professor e empreendedor na área de tecnologia, a responsabilidade é compartilhada. “A culpa é dos próprios profissionais. Não apenas dos que usam o trabalho remoto para aumentar ganhos em múltiplos empregos que não consegue atender, mas também dos colegas que observam calados como se não os afetasse”, analisa. A declaração de Larguesa joga luz sobre um dilema ético que borbulha sob a superfície do home office: a ausência de fiscalização direta exige um novo pacto de confiança e responsabilidade. Ele aprofunda: “Não estou dizendo que deveriam dedurar os colegas, mas sim cobrar resultado. Em um ambiente distribuído, a cobrança tem que ser horizontal. Quando não existe essa cobrança, a organização não vê outra saída senão verticalizar o controle, e o trabalho presencial facilita esse processo de verticalização do controle”. Em outras palavras, a liberdade do trabalho remoto teria sido corrompida por dentro, forçando as empresas a retomarem as rédeas de uma forma que conhecem bem: a presença física e o controle vertical.

De Volta para o Futuro... do Passado?

A decisão do Itaú é mais do que uma ação isolada; é um potencial catalisador para uma reversão em massa do modelo de trabalho que se tornou padrão após a pandemia. Se um dos maiores empregadores do país sinaliza que a confiança no home office foi quebrada, quantas outras empresas seguirão o mesmo caminho? Estamos testemunhando o início do fim da utopia de trabalhar da praia, com o notebook no colo? A questão que fica é se estamos regredindo para um modelo obsoleto ou se simplesmente estamos acordando para a realidade de que a liberdade total exige uma maturidade profissional que, talvez, ainda não tenhamos alcançado em escala. O futuro que parecia descentralizado, flexível e baseado na confiança está sendo desafiado por um futuro alternativo, um que lembra mais o passado: centralizado, controlado e com o relógio de ponto, seja ele físico ou digital, reinando soberano.

O episódio serve como um alerta contundente. Não se trata apenas de demissões, mas da redefinição do contrato social entre empregador e empregado na era digital. A promessa de um futuro de trabalho mais humano e autônomo colidiu com a dura realidade da desconfiança e da necessidade de controle. O movimento do Itaú pode ser o primeiro dominó a cair, e agora o mercado observa atentamente para ver quais peças cairão em seguida, moldando o ambiente de trabalho que conheceremos na próxima década. Aquele futuro brilhante e flexível de repente parece um pouco mais cinzento e muito mais vigiado.