FerretDB Cloud: O Futuro do NoSQL com Alma de Código Aberto?

Em um movimento que parece saído de um roteiro de ficção científica sobre clones e identidades, a FerretDB anunciou a disponibilidade geral de seu serviço de nuvem, o FerretDB Cloud. A proposta é audaciosa: oferecer um banco de dados totalmente compatível com a API do MongoDB, mas rodando sobre a infraestrutura sólida e de código aberto do PostgreSQL e do DocumentDB. Para o desenvolvedor, a promessa é a de um universo familiar, utilizando as mesmas ferramentas e drivers do Mongo, mas sem as amarras da polêmica licença SSPL (Server Side Public License) que a MongoDB Inc. adotou anos atrás.

A plataforma, que já está disponível na AWS com planos de expansão para Azure e Google Cloud, chega para competir diretamente com o gigante MongoDB Atlas. Segundo a InfoQ, os cofundadores da FerretDB, Peter Farkas e Alexey Palazhchenko, afirmam que a intenção é simplificar a vida de quem precisa de um banco de documentos, mas não quer gerenciar a própria infraestrutura. “Suas aplicações ainda se conectam como se estivessem falando com o MongoDB, mas seus dados são armazenados no PostgreSQL com uma extensão DocumentDB de código aberto, dando a você confiabilidade e liberdade a longo prazo”, declararam.

A Rebelião dos Clones: Liberdade ou Imitação?

A FerretDB não está apenas oferecendo um produto; está levantando uma bandeira. A batalha aqui é filosófica e gira em torno da licença SSPL do MongoDB, criada para impedir que provedores de nuvem oferecessem o banco de dados como um serviço sem uma licença comercial. Em uma discussão acalorada no LinkedIn, Farkas revelou que a FerretDB foi ameaçada com um processo judicial pela MongoDB por construir um produto compatível. Ele argumenta que a SSPL elimina a competição real, permitindo que um único fornecedor dite os preços.

Do outro lado da trincheira, o conselho geral da MongoDB, Andrew Stephens, não poupa palavras. Em um artigo intitulado “Construindo para Desenvolvedores — Não Imitadores”, ele acusa a FerretDB de se esconder atrás do ideal de código aberto, descrevendo a iniciativa como “imitação, roubo e apropriação indevida disfarçada de compatibilidade”. A tensão é palpável e ecoa uma disputa maior que está se desenrolando no universo da tecnologia.

O Despertar da Aliança: Um Supergrupo Contra o Império

O que poderia parecer uma briga de Davi contra Golias ganha contornos épicos quando olhamos o cenário completo. A FerretDB não está sozinha. Como aponta o analista Stephen O'Grady, da RedMonk, a Microsoft recentemente doou um projeto chamado DocumentDB para a Linux Foundation. O objetivo desse projeto? Exatamente o mesmo: criar uma camada de compatibilidade com a API do MongoDB sobre o PostgreSQL, mas sob a permissiva licença MIT.

E quem apoia essa iniciativa? Um verdadeiro supergrupo da tecnologia: AWS, Google, Cockroach, Crunchy, Supabase e Yugabyte, além da própria Microsoft. Isso sinaliza que não se trata de um movimento isolado, mas de uma tendência de mercado. A indústria parece ter concordado que a API do MongoDB é o padrão de fato para bancos de dados de documentos, e agora está construindo um ecossistema aberto e competitivo em torno dela, algo que a decisão da Suprema Corte no caso Google v. Oracle, que protege o uso de APIs, parece encorajar.

Dejà Vu: A História de MySQL e PostgreSQL se Repete?

Para entender o futuro, às vezes precisamos olhar para o passado. O'Grady nos lembra da ascensão do PostgreSQL sobre o MySQL. Por anos, o MySQL foi o rei absoluto dos bancos de dados open source, mas seu modelo de desenvolvimento, controlado por uma única empresa, limitou o ecossistema. Enquanto isso, o PostgreSQL, com sua licença liberal e comunidade diversa, floresceu, inovando e se adaptando mais rapidamente a novas demandas, como suporte a JSON e vetores. Hoje, PostgreSQL é a escolha padrão para muitas novas aplicações.

A questão que paira no ar é: estamos testemunhando a mesma história se repetir com o MongoDB? Ao se fechar com a SSPL, a empresa pode ter protegido sua receita a curto prazo, mas abriu a porta para que um ecossistema multi-entidade, mais resiliente e inovador, surja para desafiá-la usando sua própria linguagem. O futuro pode pertencer não a quem controla o código, mas a quem fomenta a comunidade mais forte em torno de um padrão aberto. FerretDB e o projeto DocumentDB são os primeiros capítulos dessa nova saga.

Na Prática: O Que o FerretDB Cloud Oferece?

Deixando a futurologia de lado, a oferta do FerretDB Cloud é bastante concreta. O serviço inclui um plano gratuito para desenvolvedores, estudantes e pequenos projetos. Nos planos pagos, oferece até 64 TB de armazenamento, criptografia em trânsito e em repouso, e um SLA de 99,99% no plano empresarial. Uma vantagem técnica apontada pela InfoQ é que a busca por vetores, um recurso essencial para aplicações de IA, está disponível em todas as versões do FerretDB, enquanto no universo MongoDB, está restrita ao serviço Atlas.

Em resumo, o lançamento do FerretDB Cloud é muito mais do que a chegada de um novo player. É um catalisador para uma discussão profunda sobre o que significa ser “open source” na era da nuvem. Enquanto o MongoDB continua sendo uma força dominante, a ascensão de alternativas compatíveis, apoiadas por gigantes da indústria, sugere que o futuro dos bancos de dados pode ser colaborativo, aberto e, ironicamente, construído sobre a fundação de um antigo e confiável titã: o PostgreSQL.