Uma Ponte para o Passado: Microsoft Abre o Código do BASIC de 1976

Em um movimento que parece ter saído diretamente de uma cápsula do tempo digital, a Microsoft decidiu abrir o baú e liberar o código-fonte de uma de suas relíquias mais importantes: a versão do BASIC portada em 1976 para o processador MOS 6502. O anúncio, feito pela gigante da tecnologia, disponibiliza no GitHub quase 7 mil linhas de puro código assembly que deram vida a computadores lendários como o Commodore 64 e o Apple II, permitindo que uma nova geração de desenvolvedores e curiosos converse diretamente com o passado da computação pessoal.

A Diplomacia do Código: De Gates para o Mundo

A história desse software é a própria história da Microsoft. Em 1975, os fundadores Bill Gates e Paul Allen criaram o primeiro produto da empresa, o BASIC para o microcomputador Altair 8800. Apenas um ano depois, conforme detalhado no post da Microsoft, Gates uniu-se a Ric Weiland, o segundo funcionário da companhia, para uma missão de 'diplomacia de código': portar o BASIC para o onipresente processador MOS 6502. Essa adaptação foi o que permitiu que o software da Microsoft se tornasse o sistema nervoso central de uma geração inteira de máquinas, estabelecendo o modelo de licenciamento que foi fundamental para o negócio inicial da empresa.

Agora, 48 anos depois, esse diálogo histórico está sendo reaberto. A Microsoft disponibilizou o código no GitHub sob a licença MIT, o que, na prática, é um convite para que qualquer pessoa possa estudar, modificar e até mesmo revender essa peça de museu digital. É a interoperabilidade transcendendo o tempo, conectando os pioneiros da programação com os arquitetos de software de hoje.

O Ecossistema do 6502: Onde Tudo Começou

Para entender a importância deste lançamento, é preciso olhar para o ecossistema que ele ajudou a construir. O processador 6502 não era apenas um chip; era o coração de uma revolução. Foi essa peça de silício que bateu dentro de ícones como o Apple II, o Commodore PET, o VIC-20 e o onipresente Commodore 64, que vendeu milhões de unidades e levou a computação para lares em todo o mundo.

Segundo o site The Register, a Commodore licenciou o Microsoft BASIC em 1977 por 25 mil dólares, um valor modesto para um software que definiria seus produtos mais populares. O código liberado agora é a versão 1.1, que curiosamente inclui correções no coletor de lixo ('garbage collector') identificadas pela própria Commodore. A implementação dessas correções, realizada em 1978, foi um trabalho conjunto entre o engenheiro da Commodore, John Feagans, e o próprio Bill Gates — uma API humana antes mesmo do termo se popularizar, mostrando um exemplo inicial de colaboração técnica entre empresas para aprimorar um produto.

GOTO 10: O que há Dentro do Código?

Mergulhar nesse código é como uma aula de arqueologia digital. As 6.955 linhas de código assembly, com comentários e estruturas que datam de quase meio século, revelam a genialidade e as limitações da época. O repositório no GitHub, em um toque charmoso, registra os commits como tendo sido feitos '48 anos atrás'.

O que os desenvolvedores encontrarão? De acordo com a documentação da Microsoft, o pacote é completo para a época e suas funcionalidades eram a base para milhares de programas. Ele inclui:

  • Implementação completa da linguagem BASIC;
  • Suporte a aritmética de ponto flutuante;
  • Manuseio e manipulação de strings;
  • Suporte para arrays (de inteiros e strings);
  • Funções e operadores matemáticos;
  • Operações de entrada e saída (I/O).

Além disso, o código ostenta recursos como 'utilização eficiente de memória para sistemas de 8 bits' e 'coleta de lixo de strings', verdadeiras proezas de engenharia para o hardware restrito daquele tempo. O código também revela sua natureza de plataforma, com suporte de compilação condicional para múltiplos sistemas pioneiros, incluindo, além dos já citados, o Ohio Scientific e o MOS Technology KIM-1.

Construindo o Futuro Olhando para o Passado

A liberação do código-fonte do 6502 BASIC não é um evento isolado. Em 2020, a Microsoft já havia feito um movimento semelhante com o GW-BASIC. Esses gestos representam mais do que simples nostalgia. Eles são a construção de pontes para o passado, permitindo que a comunidade de hoje entenda as fundações sobre as quais os ecossistemas de software modernos foram erguidos. Ao tornar esse código acessível, a Microsoft não está apenas compartilhando um produto; está compartilhando o DNA de uma indústria e reforçando a ideia de que, na tecnologia, nenhuma plataforma é uma ilha, nem mesmo aquelas separadas por quase 50 anos de inovação.