O Veredito: Culpado, Mas Nem Tanto
A lógica parecia direta: se uma empresa é declarada culpada de manter um monopólio ilegal, então a consequência deveria ser uma medida estrutural para restaurar a competição. Contudo, o juiz Amit Mehta, do Tribunal Distrital de DC, operou com uma lógica diferente no caso do Departamento de Justiça (DOJ) dos EUA contra o Google. Mais de um ano após declarar que o gigante das buscas violou a Lei Antitruste Sherman, Mehta finalmente revelou a sentença, e ela não inclui a pena capital corporativa que o DOJ tanto desejava: a venda forçada do navegador Chrome.
Segundo o raciocínio detalhado em sua decisão de 230 páginas, forçar o Google a se desfazer do Chrome seria uma solução inadequada para o problema. O juiz descreveu a proposta como 'incrivelmente confusa e altamente arriscada'. Conforme relatado pelo The Verge, Mehta expressou grande ceticismo de que uma venda do Chrome não resultaria em uma 'degradação substancial do produto e uma perda de bem-estar do consumidor'. Em sua visão, o DOJ não conseguiu provar que a conexão entre o poder de monopólio do Google e os padrões do Chrome era causal o suficiente para justificar uma medida tão drástica, classificando o pedido de desinvestimento como um 'exagero'.
As 'Regrinhas' do Jogo: O Que Muda (e o Que Não Muda)
Em vez de desmembrar o império, o juiz Mehta optou por impor um conjunto de remédios comportamentais, uma espécie de manual de boas maneiras corporativas que o Google deverá seguir pelos próximos seis anos. As mudanças são significativas, mas ficam muito aquém do que os críticos da empresa esperavam.
O que muda (as novas regras):
- Fim da Venda Casada Digital: O Google fica proibido de entrar ou manter acordos de exclusividade que amarrem a distribuição de seus principais produtos. Isso significa que a empresa não poderá mais condicionar o licenciamento da Play Store à pré-instalação obrigatória do Chrome, do Google Search, do Google Assistant ou do Gemini em dispositivos de parceiros. Se um fabricante de smartphone quer a loja de apps, então o Google não poderá mais forçá-lo a aceitar o resto do pacote.
- Compartilhamento de Dados (com moderação): A decisão obriga o Google a compartilhar certos dados de seu índice de busca e de interação do usuário com 'concorrentes qualificados'. No entanto, a medida é bem mais contida do que o DOJ pedia. Segundo a apuração do TechCrunch, trata-se de um 'instantâneo' único dos dados, a ser vendido pelo custo marginal, e não um fluxo contínuo de informações frescas. É como dar a um rival uma foto do mapa do tesouro, e não o acesso ao GPS em tempo real.
- Sindicalização de Busca: A empresa também terá que oferecer serviços de sindicalização de resultados de busca e de anúncios para competidores, permitindo que eles entreguem resultados de qualidade enquanto desenvolvem suas próprias tecnologias.
O que não muda (o status quo):
- A Mesada da Apple Continua: Talvez a maior vitória para o Google seja a permissão para continuar seus lucrativos acordos de distribuição. O polêmico contrato com a Apple, que segundo fontes do processo custou ao Google mais de US$ 20 bilhões em 2022 para ser o buscador padrão no Safari, sobreviveu. O juiz ponderou que proibir esses pagamentos poderia prejudicar financeiramente parceiros como Apple e Mozilla, sem necessariamente garantir um 'degelo' na competição. Mehta também observou que o boom de investimentos em IA generativa já coloca novas empresas em uma posição melhor para competir com o Google do que qualquer buscador tradicional nas últimas décadas.
Reações: De Alívio a 'Covardia'
A decisão gerou um espectro de reações previsivelmente polarizado. O Google, em comunicado, expressou 'preocupações sobre como esses requisitos impactarão nossos usuários e sua privacidade', uma resposta padrão que sinaliza um alívio cauteloso. O DOJ, por sua vez, adotou um tom vitorioso, mas deixou a porta aberta para apelar em busca de sanções mais duras.
Do outro lado, a decepção foi palpável. Gabriel Weinberg, CEO do buscador rival DuckDuckGo, afirmou que a decisão não será eficaz e que 'os consumidores continuarão a sofrer'. A crítica mais contundente veio da American Economic Liberties Project, uma organização que defende uma aplicação mais rigorosa das leis antitruste. Conforme destacado pelo The Verge, sua diretora executiva, Nidhi Hegde, não poupou palavras: 'Você não considera alguém culpado por roubar um banco e o sentencia a escrever uma nota de agradecimento pelo saque'. Para eles, a decisão foi um ato de 'covardia'.
Um Ato em um Drama de Vários Capítulos
Apesar de ser a decisão de reparação antitruste mais importante contra uma Big Tech em quase 25 anos, desde o caso da Microsoft, este não é o fim da história. Com a sentença definida, o Google agora tem o caminho livre para apelar da decisão original que o classificou como monopolista. Esse processo pode se arrastar por anos, com especialistas como William Kovacic, ouvido pelo TechCrunch, prevendo que o caso só terminará de fato em 2027 ou 2028, possivelmente na Suprema Corte.
Enquanto isso, o Google ainda enfrenta outros julgamentos, incluindo um processo sobre seu monopólio no mercado de tecnologia de publicidade. A decisão do juiz Mehta é, portanto, um ponto-e-vírgula, não um ponto final. O Google respira aliviado por manter o Chrome, mas a vigilância regulatória sobre seu vasto ecossistema digital está longe de terminar.
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