Uma Troca de Tronos no Vale do Silício... de Taiwan

Em um evento que será estudado por historiadores da tecnologia por décadas, a Hon Hai Precision Industry, mais conhecida pelo seu nome de guerra, Foxconn, anunciou uma mudança sísmica em seu império. Pela primeira vez na história, a gigante taiwanesa que se tornou a espinha dorsal da produção do iPhone da Apple registrou um lucro maior com a venda de servidores de Inteligência Artificial do que com toda a sua divisão de eletrônicos de consumo. A notícia, confirmada no último balanço trimestral da companhia e reportada pelo Canaltech, não é apenas uma estatística financeira; é a confirmação de que a nova corrida do ouro da tecnologia não está mais nos nossos bolsos, mas nas nuvens de dados que alimentam a IA.

A Nova Coroa: Os Números da Revolução

Os números contam uma história inequívoca. Segundo o relatório, os negócios de IA representaram impressionantes 41% do faturamento da Foxconn no período, superando pela primeira vez a divisão de eletrônicos de consumo, que ficou com 35%. Para entender a magnitude dessa virada, basta olhar para trás: em 2021, essa mesma divisão de eletrônicos era responsável por 54% da receita total. Em poucos anos, o jogo virou de forma espetacular. O que antes era o carro-chefe indiscutível, o motor de um império industrial, agora cede o protagonismo para uma área mais discreta, porém imensamente mais potente em crescimento.

Essa transição reflete uma mudança fundamental no mercado. A Foxconn, por muito tempo vista como a principal "mão de obra" da Apple, está se reposicionando como uma fornecedora essencial para a infraestrutura da próxima geração da internet. Ao fornecer servidores de IA para a Nvidia, a líder indiscutível no mercado de chips para inteligência artificial, a empresa taiwanesa se colocou no epicentro da revolução, lucrando com a demanda insaciável por poder computacional que define a era da IA.

Arqueologia de uma Gigante: De Placas de Vídeo a Cérebros Artificiais

Como um arqueólogo digital, é fascinante escavar as camadas da história da Foxconn para entender como essa mudança foi possível. Não foi um golpe de sorte, mas uma estratégia de longa data que finalmente floresceu. A parceria icônica com a Apple para fabricar o iPhone começou em 2007, um momento que definiu uma era. No entanto, as sementes da atual revolução foram plantadas muito antes, em um trabalho quase invisível para o grande público.

A relação com a Nvidia, por exemplo, data de cerca de 2002, quando a Foxconn começou a desenvolver designs para placas de vídeo. Já em 2009, a empresa deu um passo fundamental ao iniciar a produção de servidores de uso geral para data centers de provedores de nuvem. Enquanto o mundo se maravilhava com as telas de retina e o design minimalista dos produtos da Apple, a Foxconn, nos bastidores, construía silenciosamente sua expertise na arquitetura que hoje sustenta a IA. Ela estava montando não apenas o palco, mas também toda a infraestrutura por trás das cortinas.

O Ouro da IA: Crescimento e Projeções Surpreendentes

Os executivos da empresa não escondem o entusiasmo com o novo cenário. David Huang, diretor financeiro da Foxconn, destacou no balanço que, embora o alto preço unitário dos servidores de IA tenha pressionado a margem de lucro bruto, o volume e o crescimento do setor foram tão avassaladores que impulsionaram um aumento anual de 16% na receita e de 14% no lucro bruto. Em outras palavras, a empresa pode ganhar um pouco menos em cada servidor vendido em comparação com um lote de celulares, mas a demanda é tão explosiva que o resultado final é um lucro muito maior.

A CEO rotativa da Foxconn, Kathy Yang, reforçou essa visão, afirmando que o negócio de servidores de IA manteve sua "força sustentada". E os números corroboram essa afirmação de forma assustadora. No segundo trimestre de 2025, o braço de IA da empresa apresentou uma taxa de crescimento anual superior a 60%. E a projeção para o terceiro trimestre é ainda mais impressionante: um salto de mais de 170% em relação ao mesmo período do ano anterior. É um ritmo de crescimento que a indústria de smartphones, já madura, simplesmente não consegue mais acompanhar.

O Fim de uma Era?

O que essa reviravolta na Foxconn significa para o futuro? Significa que o valor na cadeia de produção de tecnologia está migrando. Por mais de uma década, o epicentro foi o dispositivo final, o objeto de desejo que conectava o usuário ao mundo digital. Agora, o valor está se deslocando para a infraestrutura invisível que torna as experiências inteligentes possíveis. A Foxconn, que por anos foi a maior "joalheria" do mundo, montando e polindo os cobiçados iPhones, descobriu que vender as picaretas e pás para a nova corrida do ouro da IA é um negócio ainda mais rentável.

Isso não significa o fim do iPhone ou dos eletrônicos de consumo, mas sim uma reordenação de prioridades. Para a Foxconn e para toda a indústria, a mensagem é clara: o futuro não será apenas fabricado, ele será processado. E quem controlar os cérebros — os servidores potentes e a infraestrutura de data centers — terá as chaves do reino na próxima era da tecnologia.