Uma produção junina que mistura tradição e tecnologia

A prefeitura de Ulianópolis, cidade com aproximadamente 40 mil habitantes no sudeste do Pará, está chamando a atenção nas redes sociais com um vídeo promocional feito 100% por inteligência artificial. Em vez de contratar atores, figurinistas e toda uma equipe de produção, a administração municipal apostou na inovação e reduziu os custos para apenas R$300,00, de acordo com informações que circulam nas redes e foram analisadas por veículos como o G1 e Canaltech.

O vídeo, que promove as tradicionais festas juninas da cidade, foi produzido pelo produtor Renato Lopes Ferreira, que utilizou ferramentas como o ChatGPT para a criação do roteiro e o Veo 3, a inteligência artificial do Google voltada para a produção de vídeos realistas. Além disso, softwares de edição como Adobe Premiere e After Effects foram empregados para dar o acabamento profissional à peça. Segundo Renato, o processo envolveu mais de 80 tentativas até se atingir o resultado desejado, em uma produção concluída em apenas um dia. Essa agilidade e economia contrastam fortemente com os métodos tradicionais, que dependeriam de semanas de trabalho com uma equipe completa.

Debate entre inovação e representatividade

A estratégia adotada gerou uma série de opiniões divergentes entre internautas. Por um lado, há quem enalteça a iniciativa como um exemplo de uso inteligente da tecnologia para reduzir custos e modernizar a publicidade. Em meio às críticas, usuários destacaram que o método pode inspirar outras prefeituras e pequenos municípios a adotarem ferramentas digitais para alavancar suas campanhas, especialmente em tempos de restrição orçamentária.

Por outro lado, alguns internautas e profissionais da comunicação criticaram veementemente a ausência de representatividade local. Comentários em redes sociais sugeriram que a produção, apesar da qualidade técnica, falha em conectar-se com a população por não envolver diretamente talentos da região. Segundo um comentário popular no Instagram, "por que não contratar artistas e produtores locais? Assim a cultura é valorizada e o dinheiro fica na cidade." Essa crítica reflete um sentimento mais amplo de preocupação quanto à possível precarização do trabalho cultural e artístico, à medida que tecnologias como o Veo 3 e outras IAs ganham espaço no mercado.

O impacto econômico e o futuro do mercado publicitário

Economicamente, a peça demonstra um marco importante: enquanto uma agência de publicidade tradicional gastaria milhares de reais em uma mesma produção, a prefeitura investiu meros R$300,00 – valor que inclui o custo reduzido da produção automatizada, sem levar em conta os encargos de contratar uma equipe humana completa. Essa economia, no entanto, não vem sem controvérsias. Especialistas e representantes do setor publicitário apontam que, embora o uso da IA possa democratizar o acesso à produção audiovisual, ele também pode ameaçar a renda de profissionais que tradicionalmente comandam esses projetos.

Além disso, o cenário se torna ainda mais interessante quando outras áreas começam a adotar métodos semelhantes. Por exemplo, a recente ação da Conmebol, em 03/06/2025, utilizou inteligência artificial para promover a Libertadores da América, marcando o avanço da tecnologia para além do setor publicitário. Iniciativas como essa, somadas ao sucesso do Google Veo 3, estão remodelando o mercado e colocando em xeque modelos tradicionais de produção publicitária.

Ferramentas digitais e reflexões sobre o futuro

Enquanto a prefeitura de Ulianópolis experimenta com a inteligência artificial para reduzir custos e acelerar processos, a discussão sobre a substituição de mão de obra humana por ferramentas digitais ganha cada vez mais destaque. Em tempos em que a tecnologia avança a passos largos, surge a pergunta inevitável: em que medida outras áreas poderiam se beneficiar de processos automatizados semelhantes?

O equilíbrio entre inovação e valorização do trabalho humano é o grande dilema atual. Por um lado, a digitalização faz com que produções que antes demandavam semanas de trabalho sejam realizadas em um único dia. Por outro, há um risco real de que a criatividade e a autenticidade, atributos que muitas vezes dependem do toque humano, sejam comprometidos.

Na prática, o exemplo de Ulianópolis se torna um caso de estudo para gestores públicos e agências de publicidade. Se o uso intensivo de IA permite uma economia significativa com resultados visualmente impressionantes, a longo prazo, como esse modelo impactará o mercado de trabalho? Poderíamos ver um cenário em que setores inteiros serão transformados, com algoritmos substituindo profissionais em diversas áreas, desde a publicidade até a produção cinematográfica e jornalística.

Inovação versus autenticidade em um contexto brasileiro

É impossível ignorar as especificidades do contexto brasileiro quando se discute a adoção de tecnologias emergentes. Em um país em que a cultura local e o apoio à produção artística regional são valorizados, iniciativas que utilizam inteligência artificial para campanhas publicitárias podem ser recebidas tanto com entusiasmo quanto com ceticismo. A crítica de que “não se gera conexão com o povo” ressoa com aqueles que acreditam que a cultura popular deve ser preservada de forma autêntica.

Porém, a ironia não passa despercebida: um vídeo sobre uma festa tradicional, produzido sem o envolvimento direto de pessoas reais, levanta questões sobre o futuro da comunicação. A tecnologia prometeu democratizar a criação, mas também corre o risco de eliminar o calor humano que torna as manifestações culturais tão especiais. Frente a esse panorama, fica o questionamento: será que outras áreas, como o setor da educação ou até mesmo a administração pública, poderiam se beneficiar de produções similares sem perder sua essência e autenticidade?

Conclusão

O caso de Ulianópolis ilustra perfeitamente o paradoxo que acompanha o avanço da tecnologia: por um lado, temos uma produção de alta qualidade, rápida e econômica; por outro, uma série de debates éticos e culturais que ressaltam a importância do trabalho manual e a personalidade única dos profissionais locais. Enquanto alguns veem na utilização da inteligência artificial uma solução viável para revisões orçamentárias e agilidade na divulgação de eventos públicos, outros alertam para os riscos de uma modernização que pode desvalorizar a cultura e a mão de obra tradicional.

Com a crescente adoção de IAs como o Veo 3 do Google, questiona-se até onde a tecnologia poderá avançar sem que haja um custo social elevado. A discussão se estende a outras áreas, como a própria produção jornalística, a publicidade e até mesmo o setor cultural. Afinal, é possível aproveitar a eficiência dos algoritmos sem que a personalidade e a autenticidade sejam deixadas de lado?

Em meio ao entusiasmo e às críticas, o que está claro é que a inovação veio para ficar e o debate, que já começa com um simples vídeo junino, promete ganhar novos capítulos na história do mercado publicitário brasileiro.