Sensacionalismo no jornalismo (Que novidade!)
Na era das redes sociais e das tendências digitais, não é raro encontrar manchetes sensacionalistas defendendo que cada clique no ChatGPT consome água como se os data centers fossem torneiras abertas. Mas, calma: antes que a galera comece a imaginar um oceano de água sendo desperdiçado, vamos colocar os fatos em ordem e dar aquela limpada na desinformação.
A polêmica surgiu com a divulgação de um estudo da Universidade da Califórnia, que indicou que para cada 20 a 50 consultas realizadas em pesquisas com IAs, consome-se aproximadamente meio litro de água doce. Em meio a essa discussão, rumores e manchetes exageradas surgiram, clamando que o consumo hídrico do ChatGPT (e, por extensão, de outras IAs) estaria contribuindo para uma crise ambiental sem precedentes. No entanto, esse cenário é fruto de uma interpretação equivocada dos números.
Entendendo como um datacenter funciona
Para entender melhor essa questão, Rafael Astuto, gerente executivo de engenharia de vendas da Ascenty, destacou:
"Quando fazemos a analogia de que ao fazer uma pergunta para o ChatGPT, eu consumo um determinado volume de água, isso não significa que esse consumo está diretamente ligado ao data center. Trata-se, na verdade, da água utilizada para gerar a energia necessária para alimentar os servidores."
Em outras palavras, o que muitos ignoram é que o consumo de água em data centers envolve três grandes vertentes: o resfriamento do equipamento local, a água usada indiretamente para gerar energia e, até mesmo, a cadeia de suprimentos para a fabricação dos servidores. Contudo, eis aqui o grande truque: os modernos sistemas de "liquid cooling" empregam circuitos fechados. Isso significa que a água é utilizada no início da operação, circula absorvendo e dissipando o calor dos equipamentos, e depois é reutilizada, sem descarte contínuo de água nova. Em termos práticos, a água não está "sumindo" como dizem os alarmistas.
Além disso, a composição da matriz energética no Brasil reforça essa questão. Segundo Astuto, mais de 85% da energia aqui é proveniente de fontes renováveis – hídricas, eólicas, biomassa, solar e nuclear. Ou seja, o que se gasta de água na operação dos data centers muitas vezes se relaciona mais à geração de energia do que ao resfriamento propriamente dito. Ele explica ainda que, com o crescimento do uso de fontes eólicas (que já representam cerca de 13,5% da matriz nacional, de acordo com o SEI da ANEEL), a dependência direta da água tende a diminuir.
Agora, quando noticiamos esse assunto, é impossível não comentar o absurdo de manchetes sensacionalistas que ignoram esses pontos técnicos. Em alguns portais, a ideia de que cada consulta no ChatGPT "suga" água dos nossos reservatórios é vendida como se estivéssemos vivendo um desastre ambiental iminente. Essa abordagem desconsidera a realidade dos circuitos fechados adotados nos data centers e o fato de que a própria infraestrutura evoluiu muito nos últimos 15 a 20 anos. Enquanto as torres de resfriamento abertas – aquelas que emitiam vapor e demandavam reposição constante de água – já são coisa do passado, os sistemas modernos reutilizam a mesma água ao longo de toda a vida útil da instalação.
A discussão não para por aí. Um estudo publicado na revista científica Joule, com assinatura de Alex de Vries, alerta para o impacto ambiental do consumo global de eletricidade por IAs. A previsão é de que, em 2027, o setor possa consumir entre 85 a 134 terawatts-hora (TWh) de eletricidade – o que é 2,4 vezes mais que o consumo anual de energia da cidade de São Paulo (26,91 TWh). Essa realidade pode ser alarmante à primeira vista, mas o foco dos debates deve ser justamente a busca por eficiência energética e soluções mais sustentáveis para alimentar esses data centers.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os data centers já consomem cerca de 5 a 6% da energia total do país. Em resposta, há um movimento para reduzir a pegada ambiental, com iniciativas que incluem a reativação de usinas nucleares e o desenvolvimento de pequenos reatores nucleares. No caso brasileiro, investir em eficiência energética tem sido uma prioridade, dado que a maior parte da energia consumida já é renovável. Dessa forma, mesmo que o consumo de eletricidade seja alto, o impacto ambiental fica mitigado por práticas que utilizam, por exemplo, a água apenas como meio de transferência de calor.
Concluindo
Diante desse cenário, é essencial que a mídia responsável se preocupe em informar corretamente o público, ao invés de propagar desinformação. Notícias que afirmam que os data centers “devoram” água descartam a complexidade dos processos envolvidos e pintam um quadro irreverente, mas impreciso. Para quem está de olho em sustentabilidade, a mensagem é clara: tecnologia e responsabilidade ambiental podem – e devem – caminhar juntas.
Concluindo, o debate sobre o consumo de água em data centers e, por extensão, na operação de IAs como o ChatGPT, merece uma abordagem realista e fundamentada. A tecnologia avança, e com ela, as práticas para minimizar impactos ambientais. Cabe ao jornalismo sério, como o do DESBUGADOS, separar os fatos dos exageros e mostrar que, sim, a água é utilizada, mas de forma muito mais inteligente e sustentável do que os alarmistas sugerem. Afinal, quando o assunto é inovação, a realidade supera a ficção – e a sustentabilidade continua sendo um pilar fundamental para o futuro da tecnologia.